Ídolo de Atlético e Cruzeiro, salinense relembra carreira, revela
bastidores de lesão sofrida em 1968 e projeta retorno ao futebol

Vinícius Dias

Durante 40 minutos, o tema é futebol. Do outro lado da linha, a voz de Procópio Cardozo Neto, que tantas vezes reforçou gritos de 'É campeão!' no Brasil e no exterior. Somadas as trajetórias como jogador e treinador, foram dez mineiros - seis pelo Cruzeiro e quatro pelo Atlético -, além de Taça Brasil, Rio-São Paulo, Copa Conmebol e copas no Catar. Mas nem só de boas lembranças vive o salinense. Exemplo é a lesão sofrida em 1968. "Passei necessidade, até. Vendi tudo o que tinha e fiquei cinco anos sem trabalhar", revela ao Blog Toque Di Letra.

Procópio: sucesso em campo e fora dele
(Créditos: Ana Carolina Fontana/Secopa MG)

Procópio se superou. Mais do que isso: voltou aos gramados depois de cinco anos, um mês e 13 dias de calvário. Autêntico, o ex-zagueiro, que jamais teve empresário, não foge das perguntas acerca do momento do futebol nacional e se diz encantado com alguns clubes europeus. "Tenho alegria de ver o Barcelona jogar, porque pode até perder, mas você vê os caras tentando jogar futebol", exemplifica. Prestes a celebrar 77 anos, e oito após seu último trabalho, à frente do América, sonha em retornar ao futebol. "Estou apto", ratifica.

Em seus primeiros passos no futebol, no time infantil do Atlético e, depois, nos juvenis do Esporte Clube Renascença, você atuava no setor ofensivo. Quando (e como) aconteceu essa transição para a zaga, onde você se consagrou?

No Colégio Batista, onde fui interno por oito anos, eu era atacante. Era cobiçado por América, Atlético e Cruzeiro. Fui jogar no Atlético, aos 13 anos, e não pude continuar porque era muito longe. Saía do colégio, na Floresta, a pé, para chegar ao Lourdes. Chegava suado, trocava de roupa rápido e jogava. Depois, tomava um banho de gato e voltava, pelo mesmo caminho, para pegar o almoço das 13h. Embora eu fosse jovem, com muita alegria, isso me desgastava muito.

Certa vez, o juvenil do Renascença foi jogar no Colégio Batista e perdeu por 5 a 0. O treinador ficou encantado e me chamou. Como atacante, por dois anos, fui artilheiro na base. Até que o Gérson dos Santos, ex-zagueiro do Cruzeiro, do Botafogo e da seleção, veio ser técnico do (profissional) Renascença, que disputaria pela primeira vez a divisão-extra (módulo I) do Mineiro. Como botafoguense doente à época e fã do Gérson, fui ver o primeiro treino dele em um 07 de setembro.

Sentei na arquibancada com meu treinador do juvenil, Vicente. Faltavam jogadores para começar o treino. Então, Gerson perguntou ao Vicente se havia dois zagueiros disponíveis. Como não havia, ele disse que, às vezes, eu voltava para marcar porque cabeceava e rebatia bolas muito bem. Gérson perguntou se eu queria treinar e, em dois minutos, eu estava dentro de campo. Ele foi o beque central e eu, aos 17 anos, quarto zagueiro. Foi a primeira e última vez que treinei em um time reserva. E nunca mais fui atacante.

Como zagueiro, você chegou ao Cruzeiro em 1959. O time celeste encarava um jejum de três anos sem títulos, e você foi o primeiro reforço contratado pelo diretor de futebol Felício Brandi e um dos símbolos do time tricampeão estadual.

Desde que passou a se chamar Cruzeiro, o clube não era campeão. O título de 1956 foi dividido com o Atlético... Por incrível que pareça, foi um jornalista quem preencheu a promissória, de 36 contos de réis, que o Cruzeiro pagaria ao Renascença. Eu não era profissional, era não amador, uma categoria que existia na época. Cheguei com dois problemas: uma fratura no pé e um problema no exército, porque eu tinha de fazer CPOR (preparação), mas meu avô tinha morrido e eu não me apresentei no dia certo.

O Cruzeiro sabia de tudo. Como eu era o filho mais velho, arrimo de família e meu pai, que era promotor em Salinas, havia sido assassinado, o clube conseguiu a dispensa. Assinei o contrato, mas fiquei durante três meses com problemas no pé. Ouvia o pessoal gritando 'vá embora daqui, come e dorme', porque eu não treinava. Até que comecei a treinar novamente. O Cruzeiro ganhou os títulos em 1959, 1960 e 1961. Em 1961, eu joguei o primeiro turno, antes de ser vendido ao São Paulo.

Também pelo Cruzeiro, em 1968, você sofreu uma grave lesão no joelho após ser atingido por Pelé em duelo com o Santos. À época, você chegou a ser dado como ex-jogador. Como foi sua rotina nos cinco anos de calvário até voltar aos gramados?

Antes disso, voltei ao Cruzeiro em 1966. Fui campeão do Brasil e fiz parte do maior time que o país já teve, em minha opinião. Ficamos dez anos invictos contra o Santos. Perdemos no dia em que Pelé quebrou a minha perna. A partir daí, fiquei cinco anos, um mês e 13 dias sem jogar. Nesse período, frequentei o Hospital Arapiara por três anos e nove meses. Ia às 7h, saía ao meio-dia, voltava às 13h e ficava até as 19h. Todos me davam como inutilizado. Eu machuquei no dia 13 de outubro, e meu contrato (não foi renovado) vencia no dia 31.

Passei necessidade, até. Vendi tudo o que tinha e fiquei cinco anos sem trabalhar. Por fim, consegui emprego em um banco, mas eu não tinha a mínima aptidão. Fiquei por um ano. Depois, fiz Educação Física (na UFMG). O curso me deu uma condição muito boa. A partir dali, pude voltar a jogar peladas com meus amigos, joguei no Raposão, time de veteranos do Cruzeiro. Lá, vários conselheiros, inclusive o doutor Aécio Cunha, pai do Aécio Neves e vice-presidente do clube, me viram jogar e me perguntaram se eu não queria fazer um teste no Cruzeiro.

Eu me sentia bem e fiz o teste. Depois de cinco anos sem jogar, eu marcava todos os dias nos coletivos Roberto Batata, Palhinha, Dirceu Lopes e Joãozinho. Imagine! Chegaram à conclusão de que eu podia jogar de novo. Fiz um contrato de dois anos e tive a honra de ser titular ao lado do Perfumo, o maior zagueiro do mundo. Voltei a jogar em 1973. O primeiro jogo foi contra o Vasco, marquei o Roberto Dinamite. O segundo jogo foi contra o Santos, no Pacaembu.

Antes mesmo de pendurar as chuteiras, você iniciou sua trajetória como treinador. Passou por mais de dez clubes e pela seleção do Catar. E se o auge como atleta foi com a camisa do Cruzeiro, como técnico, foi à frente do Atlético, somando 328 partidas ao longo de seis passagens.

Comecei no vôlei. Quando fiz Educação Física, tive aulas com Adolfo Guilherme (ex-técnico da seleção feminina de vôlei). Depois, fui convidado para treinar a seleção mineira feminina, que disputaria o Campeonato Brasileiro em Natal. As grandes seleções da época eram São Paulo e Rio de Janeiro, mas formamos um time muito bom e, para surpresa de todos, fomos vice-campeões. Na sequência, assumi o juvenil do Cruzeiro.

Em 1977, o time profissional disputava com o Atlético, que era superior, uma melhor de três. Depois do primeiro jogo (vitória alvinegra por 1 a 0), Felício Brandi me chamou. O técnico era Yustrich. O Cruzeiro venceu a segunda partida, com atuações estupendas de Nelinho e Revétria. Na terceira, empate, e fomos campeões na prorrogação. Ali (Procópio dirigiu o time nos dois jogos finais) eu comecei a minha trajetória.

Em 1978, recebi o convite do Atlético, que havia vendido vários jogadores. O doutor José Nepomuceno, pai do atual presidente, foi quem me indicou. Fomos campeões mineiros em 1978, 1979 e 1980. Em 1980, o Atlético fez seu melhor time de todos os tempos, em minha opinião... Fomos esbugalhados na final do Brasileiro contra o Flamengo. Em Belo Horizonte, foi 1 a 0, com dois gols anulados injustamente e dois pênaltis no Reinaldo. No Maracanã, empatamos aos 38' do segundo tempo, e o juiz expulsou três jogadores do Atlético.

Pellegrini, chileno, dirige o Manchester City. Simeone e Pochettino, argentinos, estão no comando de Atlético de Madrid e Tottenham, respectivamente. Não há treinadores brasileiros nas principais ligas da Europa, e os estrangeiros começam a ganhar espaço no país. O técnico brasileiro, hoje, é mal preparado?

Não é ser mal preparado. Por exemplo, tem de começar de baixo e tem de ser bom. Eu fiz Educação Física e, na época, importei os melhores livros que existiam sobre futebol, fiz estágio na Roma. O técnico era o sueco Nils Liedholm. Eu tinha acesso ao campo, ao vestiário, a tudo, e Falcão traduzia para mim. Treinador tem de se preparar. É possível ser treinador sem ter chutado uma bola, mas como você vai corrigir um atleta, dizer que ele bateu mal na bola, que não se posicionou bem, se nunca chutou uma bola?

É fundamental que tenha jogado e enfrentado situações. Participei, como jogador, da maior fase do futebol brasileiro e, talvez, mundial. Enfrentava Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos. Havia um capital para assimilar. Procurei fazer isso com humildade. Quando jogava no São Paulo com Jair Rosa Pinto, eu parecia um repórter que está começando e pergunta tudo. Perguntava ao De Sordi, que era campeão do mundo. Fui para o Fluminense, de Castilho, Altair e Jair Marinho, também campeões do mundo.

E o 7 a 1, contra a Alemanha? Passados quase dois anos do maior revés da história da seleção, o futebol brasileiro apresenta alguma evolução?

Para você ter uma ideia, com muita tristeza, ainda vejo os jogos do Manchester United porque torço para o time. Mas está muito mal. Me encanta ver jogar Real Madrid, Bayern de Munique, Borussia Dortmund... 7 a 1 foi uma consequência (do momento do futebol brasileiro). No ano passado, você via o Corinthians jogando muito bem, o Atlético teve um período bom com Levir Culpi, foi campeão da Copa do Brasil, e agora parece estar em um bom caminho também.

Mas você vai ver Fluminense e Botafogo, Palmeiras e Santos, não vê mais aquele futebol que te empolga. Eu tenho alegria de ver o Barcelona jogar, porque pode até perder, mas você vê os caras tentando jogar futebol. Aquele Cruzeiro de 1966 jogava nesse mesmo diapasão, como o Santos (de Pelé), o Botafogo com Garrincha, Didi, Quarentinha. Não é ser saudosista, é a realidade. Você, hoje, não vê no nosso futebol algo que encante.

A Primeira Liga surgiu recentemente como um torneio associado à proposta de debate tendo os clubes como protagonistas. Você tem acompanhado esse movimento?

Acho válido. Você vê o futebol carioca, eu falo com propriedade porque joguei lá. Naquela época, um jogo Fluminense e Canto do Rio (equipe de Niterói) reunia 50 mil pessoas no Maracanã. Joguei um Fla-Flu com recorde de público, 177 mil pagantes. A população era muito menor do que a de hoje. Mas vários aspectos contribuíam. Primeiro: os times eram muito bons. Segundo: os preços dos ingressos eram compatíveis com a situação do povo. O futebol é do povo!

Hoje, temos 200 milhões de habitantes, e um grande clássico dá 15 mil, 20 mil pessoas. Não tem mais geral, arquibancada. A pessoa gasta R$ 500 para ir ao estádio, se for com a família, gasta R$ 1 mil. Então, é difícil. E tem também o problema da corrupção no futebol. Você vê a Fifa... Quando comecei a jogar, os presidentes de clubes ficavam pobres, porque ajudavam os clubes. Hoje acontece o contrário.

Atualmente, você trabalha em um livro de memórias, que pode ser lançado ainda neste ano. Com relação ao futebol, a história já teve um ponto final? Ou podemos aguardar o retorno do Procópio após oito anos?

Estou escrevendo com calma. (Quanto ao retorno), eu penso que sim. O problema é que, quando você fica mais velho, as pessoas pensam que você não tem mais condição. Mas estou fisicamente, mentalmente e moralmente apto. Meu grande sonho não é voltar ao futebol por voltar, é trabalhar com meninos. A base é a fonte de craques que o Brasil precisa novamente. (Como treinador) sempre fiz coletivos às terças-feiras contra o time júnior e às quintas-feiras contra o juvenil. É fundamental que você conheça a base para poder usar na hora em que precisar.

6 comentários:

  1. Ao final da decada de sessenta,joguei contra ele se recuperando no Raposão.Era um menino e pegava no gol.Ao final do jogo me procurou e sugeriu que eu visse treinar no juvenil do Cruzeiro,eu como atleticano lhe respondi:"Esta camisa eu não visto"Pessoa vitoriosa ai esta,tá na hora de voltar ao futebol em qualquer função

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    1. Que pena! Teria tido a chance de usar a camisa de um time grande!

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    2. É atleticano cara ...não importa se o time é pequeno...como Kalil sempre fala, o melhor título do GALO é a Copa do Brasil!

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  2. Zagueiro clássico, preciso e elegante. Desarmava e jogava limpo. Marcou os mais diferentes craques, ganhando a maioria das bolas. O Pelé (caçado na copa de 1966) tratou de descontar nele sua ira, entrando de forma criminosa contra ele, em jogo válido pelo campeonato brasileiro. Deveria pedir perdão publicamente, pois ainda há tempo. Quem viu pode confirmar: ao lado do Perfumo, formaram uma das maiores zagas do futebol mundial! Grande atleta, grande profissional, grande treinador e acima de tudo, excelente pessoa e homem de caráter! Que o Cruzeiro de ao Procópio a chance de revelar essa garotada que está por aí!Sds celestes Procopão!

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  3. Grande treinador.
    Seguramente melhor do que o atual do cruzeiro para treinar o time. Mas o Deivid também precisa de sua chance para se desenvolver na profissão e nada melhor do que um time de nome forte. Acho que uma dupla Procópio-Deivid poderia encaixar o cruzeiro nos trilhos..

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  4. Grande treinador e ótimo caráter. Fez muito pelo futebol, parabéns!!

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