Dos 18 clubes da elite portuguesa, apenas um não tem brasileiros;
na última janela, 92 atletas deixaram Brasil rumo ao país europeu

Vinícius Dias

Se na Era das Grandes Navegações a esquadra de Pedro Álvares Cabral fez história ao chegar ao Brasil, quando o assunto é futebol, mais de 500 anos depois, é o caminho inverso que se destaca. Cruzar o Atlântico e desembarcar em Portugal é um roteiro habitual entre brasileiros. Segundo levantamento do portal Rede do Futebol, apenas na elite, há 125 jogadores nascidos no Brasil registrados. No fim de agosto, dados do TMS - sistema de transferências da Fifa - apontavam a conexão Brasil-Portugal como a mais ativa em âmbito mundial na última janela: 92 transações.


"Realmente, o número de brasileiros me surpreendeu. São todos muito jovens e querem buscar seu espaço no futebol europeu", destaca o atacante Paulo Henrique. Formado na base do Atlético, ele chegou em julho ao Estoril, time mais brasileiro da liga: há 15 em um elenco com somente oito portugueses. Possibilidade aberta pelo fato de não haver limite de estrangeiros: a principal exigência é de que os clubes inscrevam no mínimo oito jogadores formados localmente - ou seja, tenham atuado por pelo menos três temporadas em Portugal entre os 15 e os 21 anos.

Paulo Henrique assina com Estoril
(Créditos: Estoril Praia/Divulgação)

Facilitada por acordos bilaterais, a presença tupiniquim não fica restrita à elite. "Assisti recentemente a um jogo do terceiro escalão português e nove dos 22 titulares eram brasileiros", comenta o scouting David Fernandes, que acumula passagens por clubes como Sporting e Belenenses. "O mercado brasileiro é acompanhado de perto por todas as equipes portuguesas. Mas a procura é diferente. Para o Belenenses, o mercado se estende às divisões inferiores. O Sporting procura jogadores na elite, preferencialmente, embora não deixe de estar atento a jovens promessas", exemplifica.

País carente de mão de obra

Produtor de informação do canal português Sport TV, Mamede Filho trata a importação, em especial de jovens, como necessária. "Portugal tem pouco mais de dez milhões de habitantes, então por aqui não há tanta oferta de mão de obra como em um país com as dimensões brasileiras". O jornalista ainda cita o fato de o maior ídolo nacional ser o moçambicano Eusébio, que chegou ao país aos 18 anos, e de nove dos campeões da Eurocopa não terem nascido em solo lusitano. "Portugal teria condições de brigar por um título como seleção sem esses atletas? Muito difícil imaginar que sim", pontua.

Luisão, ex-Cruzeiro: ídolo do Benfica
(Créditos: Isabel Cutileiro/SL Benfica)

Para os brasileiros, além dos casos de Deco, Pepe e Liédson, que chegaram à seleção local após se naturalizarem, Portugal tem servido como atalho para as principais ligas do continente. Jogadores como Danilo, do Real Madrid, e Alex Sandro, da Juventus, brilharam no país anteriormente. Histórico que motiva. "Hoje, a minha prioridade é poder voltar a jogar em alto nível, quem sabe levando o Estoril para as competições europeias, para conseguir depois me mudar para um grande centro, como Itália, Espanha ou Alemanha", diz Paulo Henrique, cedido pelo Shangai Shenhua, da China.

Brasileiros recuperam espaço

David Fernandes pontua que, após um período em que os clubes portugueses se voltaram para mercados alternativos de América do Sul e África, a última janela reforçou os laços com o Brasil. "Acredito que seja uma aposta em um campeonato (brasileiro) que voltou a crescer em qualidade". No geral, o scouting faz uma avaliação positiva do desempenho dos atletas tupiniquins, listando exemplos como o ex-cruzeirense Luisão, hoje ídolo do Benfica; Otávio, cria da base do Inter, que se destaca no Porto; e o ex-atleticano Rafael Miranda, de volta ao país após três temporadas.

Rafael Miranda, do Vitória de Guimarães
(Créditos: Vitória de Guimarães/Divulgação)

O belorizontino, que atuou no Marítimo entre 2010 e 2013, faz questão de citar as lembranças. "Foi um dos grandes momentos da carreira", afirma Rafael, um dos pilares, na temporada 2011/2012, da melhor campanha recente do clube na liga. Hoje no Vitória de Guimarães, o volante vê avanços no futebol local. "Houve evolução no futebol português. Prova disso é a seleção, que foi campeã da Eurocopa, devido ao trabalho feito nos últimos anos. Sobre o meu retorno, o clube tem uma grande estrutura e está no top cinco de Portugal. Acredito ter feito a escolha certa, pois estou feliz aqui".

Idioma, calendário e dia a dia

Entre os brasileiros, é consenso que o idioma em comum é uma das principais razões de o mercado lusitano ser tão atraente. "É um grande facilitador na adaptação, pois nem sempre o atleta está preparado para grandes mudanças", ressalta Rafael Miranda. Na chegada, entretanto, as diferenças ficam visíveis. "Seguramente, aqui existe organização e planejamento. E o mais importante, não existe o famoso jeitinho brasileiro para resolver as coisas", diz Matheus Fontes, fisiologista com passagens por Cruzeiro e Botafogo, que atualmente integra a comissão técnica do Marítimo.

Matheus, à esquerda, na apresentação
(Créditos: Eduardo Azevedo/Club Marítimo)

Com calendário menos inchado, o futebol português tem uma dinâmica bem diferente. "Por ser o berço da periodização tática, os clubes valorizam muito o trabalho com bola e os treinamentos em campo", afirma Fontes, que também exerce a função de recuperador físico. Um dos pontos criticados por ele é a pouca integração entre os departamentos. "Um atleta lesionado, por exemplo, fica entregue ao departamento de fisioterapia e não realiza nenhum tipo de treinamento. Com isso, perde toda a aptidão física. No Brasil, ele só não faria exercícios que exijam esforço da musculatura lesionada", diz.

Técnicos e jogadores no Brasil

De acordo com relatório divulgado em junho pela Fifa/TMS, desde janeiro de 2015, houve 162 transferências de Portugal para o Brasil. A maior parte dos casos, no entanto, envolveu brasileiros. No período, somente um português atuou na Série A: Pereirinha, meio-campista do Atlético/PR. Entre os técnicos, Paulo Bento e Sérgio Vieira comandaram Cruzeiro e América, respectivamente, neste ano. Em Portugal, o brasileiro Fabiano Soares dirige o Estoril desde a temporada 2014/2015.

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