Nos últimos dias, Blog ouviu fontes para detalhar dura rotina
dos portadores de necessidades especiais nos estádios do país

Vinícius Dias

O apito trila e a bola rola no gramado. Enquanto isso, nas arquibancadas, uma luta tão paradoxal quanto silenciosa é travada por personagens que costumam se sentir quase invisíveis, mas pretendem, justamente, ver. De um lado, os torcedores portadores de necessidades especiais. De outro, 'barreiras humanas' que insistem em ficar de pé, tirando-lhes a visão do gramado. Esse é o capítulo final de uma narrativa que alia desrespeito às vagas nos estacionamentos, transporte público deficitário, elevadores de menos e escadas de mais.


O Blog Toque Di Letra ouviu três torcedores, de realidades e limitações distintas, para traçar um panorama da luta por acessibilidade nos palcos onde surgem alguns dos principais talentos da bola. No diagnóstico dos estádios, sejam de grandes cidades, do interior ou, mesmo, de Copa do Mundo, as barreiras se misturam à esperança. "Não queremos privilégios, queremos igualdade", diz o mineiro Ronaldo Buhr. O pernambucano Ronald Capita revela: "às vezes, me sinto (como vilão) ao relatar os casos que eu sofro ou já presenciei".

Capita auxiliado no acesso ao estádio
(Créditos: Arquivo Pessoal/Ronald Capita)

Capita, de 16 anos, mora em São Paulo. Portador da síndrome de Marfan, que afeta, entre outros, o sistema esquelético e os olhos, ele é colaborador do Torcedores.com e ícone da cruzada pela acessibilidade. "Você vai aos estádios e sempre sofre", pontua. Entre os entraves, visão ofuscada por quem fica na frente, difícil acesso às arquibancadas e uma negativa cruel. "Crianças são diferentes de cadeirantes". Foi o que ouviu de um fiscal, em fevereiro, após a tentativa de entrar em campo ao lado dos atletas de um clube do interior paulista.

Batalha em Minas Gerais

Na visão de Ronaldo Buhr, de 47 anos, a 'elitização' afastou as pessoas deficientes dos estádios. Membro da EficiGalo, torcida pioneira no país, o advogado exalta a intervenção do Atlético junto à administração da Arena Independência. "(Agora, utilizamos um) setor onde há acesso mais fácil e melhor visibilidade". Mas cita entrave no programa de sócios: a categoria prata limita a compra de um bilhete por cartão. "No caso da pessoa com deficiência, é complicado. Pois, geralmente, precisa de acompanhante", diz Buhr, que é paraplégico e usa cadeira de rodas.

Ronaldo ao lado de amigos no Horto
(Créditos: Arquivo Pessoal/Ronaldo Buhr)

Criador da torcida Cruzeiro Eficiente, o triplégico Leônidas Bisneto, de 27 anos, também enfrenta barreiras. O estudante destaca o apoio do clube, que lhe permite acessar o Mineirão pelo portão D - no qual há área para cadeirantes -, embora adquira bilhetes para o portão C. "Deixa separados lugares para mim e meu acompanhante", fala. Apesar disso, cita entraves em dias de grandes duelos: vagas especiais de estacionamento ocupadas pelo público geral, eventual impossibilidade de usar elevador (portão D) e visibilidade prejudicada por torcedores de pé.

Para Leônidas, não conseguir vaga no estacionamento representa esforço extra. Além de ter de deixar o carro longe do estádio, o torcedor precisa percorrer um caminho alternativo - em roxo na arte abaixo - mais extenso do que o habitual - em cinza.

'É um direito do cidadão'

A acessibilidade dos torcedores portadores de deficiência ou que tenham mobilidade reduzida é garantida pela Lei Federal 10.671/2003, conhecida como Estatuto do Torcedor. "É um direito do cidadão. Deve ser garantida pelo Estado, pelo clube e por todos os envolvidos no evento esportivo", avalia Louis Dolabela Irrthum, especialista em direito desportivo. A lei diz ainda que cabe ao responsável pela competição e ao mandante do duelo solicitar ao poder público meio de transporte para condução de idosos, crianças e portadores de deficiência - exceto em estádios com capacidade inferior a 10 mil pessoas.

Possíveis percursos de Leônidas no Mineirão
(Arte: Site Oficial do Cruzeiro/Montagem: Blog)

De acordo com Dolabela, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG, o acesso aos eventos esportivos também deve atender à Lei Federal 10.098/2000, que estabelece critérios básicos para promoção da acessibilidade. "O torcedor que se sentir violado deve buscar o Ministério Público, o Procon e solicitar que sejam apuradas infrações. A preservação dos direitos dos portadores de necessidades especiais deve partir deles próprios, ou seja, devem exigir do poder público o cumprimento das leis vigentes", observa.

Com a palavra, os clubes

Por meio do gerente do Sócio do Futebol, Bernardo Mota, o Cruzeiro disse ao Blog que garante a acessibilidade em jogos como mandante, listando acessos especiais, rampas e cadeiras específicas, além de orientações por meio de mapas, placas e orientadores de público. Quanto aos entraves no estacionamento e arquibancadas indicados por Leônidas, salientou que os espaços reservados aos portadores de necessidades especiais devem ser respeitados. Em relação ao elevador, afirmou que faria solicitação à Minas Arena, mas citou que o acesso via rampa existe e funciona.

Leônidas ao lado da mãe no Mineirão
(Créditos: Cristiane Mattos/Reprodução)

Via assessoria, o Atlético afirmou que, em jogos como mandante, observa as normas de proteção à pessoa com deficiência previstas no Estatuto de Defesa do Torcedor e outras legislações correlatas, desde a compra do ingresso até o momento de acesso e permanência nos estádios. O clube também destacou que trabalha em conjunto com as administradoras dos estádios, "fiscalizando o cumprimento das normas e colaborando com o implemento das melhores condições de conforto e de segurança para o torcedor".

Quanto à citação de Ronaldo, o clube informou que o programa de sócios tem regulamento próprio, ao qual o torcedor adere no ato de filiação. A categoria prata prevê, entre outros benefícios, a possibilidade de adquirir um ingresso por partida - regra igualitária para todos os torcedores. Por isso, os acompanhantes que pretendam desfrutar dos benefícios devem, naturalmente, aderir ao Galo na Veia.

A estrutura dos estádios

Em contato com o Blog, Helber Gurgel Carneiro, gerente operacional da Arena Independência, detalhou que o estádio possui todos os mecanismos de acesso de torcedores, inclusive portadores de necessidades especiais, contando com elevadores, rampas, vagas de estacionamento, banheiros, caixas e bares adaptados. O posto médico possui cadeiras de rodas para atendimentos de emergência.

Faixa da EficiGalo no 'velho' Mineirão
(Créditos: Arquivo Pessoal/Ronaldo Buhr)

Via assessoria de imprensa, a Minas Arena detalhou que o Mineirão possui 41 banheiros adaptados para pessoas com deficiência; 81 assentos para cadeirantes, 465 para pessoas com mobilidade reduzida, 74 para pessoas com obesidade - de um total de 62.140 lugares -; e ainda oito elevadores adaptados. No estacionamento, há 73 vagas destinadas a idosos e 52 a pessoas com deficiência. Por jogo, estão disponíveis de oito a 12 cadeiras de rodas com os orientadores de público - cerca de 20% deles trabalham diretamente com esse público.

Em relação aos questionamentos de Leônidas, afirmou que há verificação constante do estacionamento e considerou "falta de educação" o público geral ocupar vagas reservadas. Quanto ao portão D, conforme a Minas Arena, é realizado revezamento entre elevador e rampa, por questões de segurança, mas elevadores funcionam em todos os duelos. Em relação à falta de visibilidade, vê como "falta de sensibilidade" de alguns torcedores que ocupam área destinada a pessoas com deficiência e informou que faz campanhas educativas de diversas formas.

Um comentário:

  1. Excelente e oportuna reportagem!!! Parabéns por trazer a público tema de tremenda importância.

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