Ídolo cruzeirense vê
cenário nacional em atraso, critica CBF e
revela expectativa em Tite:
'Que vá além do cargo de técnico'
Vinícius Dias
422 gols e 356 assistências em 1035 partidas. A contagem, interrompida
em dezembro de 2014, poderia ter ido além. Alex recebeu um convite do Cruzeiro
para disputar a Copa Libertadores ano passado, por exemplo. A decisão, contudo,
já havia sido tomada. "Viver futebol é desgastante e já não tinha mais
paciência para isso", revela. Seis meses após pendurar as chuteiras, o
curitibano estreou como comentarista na ESPN Brasil. "Estou apenas falando
de futebol e não tenho a mínima vontade de fazer alguém mudar de ideia ou
concordar comigo", garante.
Alex: dos gramados para a tela da TV (Créditos: Gualter Naves/Light Press) |
Com a classe habitual, Alex aborda diversos assuntos nesta
entrevista ao Blog Toque Di Letra.
Da chegada de Tite à seleção à expectativa quanto aos rumos da Primeira Liga,
passando pelas Olimpíadas de 2000. Quando perguntado sobre a preparação do
técnico brasileiro, é convicto. "Criamos uma linha de treinadores que
estudavam pouco e motivavam muito". Hoje espectador, revela um sonho.
"Tenho apenas uma vontade enorme de ver nosso futebol melhor organizado,
melhor jogado e principalmente melhor dividido em todos os gêneros".
Você integra, desde o ano passado, a
equipe de comentaristas dos canais ESPN. Como tem avaliado a experiência? Qual
é a principal dificuldade no momento de analisar atuações de atletas que eram,
até outro dia, seus companheiros ou adversários?
Não
tenho problema nenhum. A experiência tem sido muito boa. Ver futebol sem o
envolvimento que tinha está sendo ótimo. Meu compromisso é muito simples:
analisar aquilo que estou vendo e sinto a necessidade de falar. Falar a
respeito de alguém que foi ou é meu amigo, ex-companheiro, ex-adversário, para
mim, é igual a falar de um desconhecido. Estou apenas falando de futebol e não
tenho a mínima vontade de fazer alguém mudar de ideia ou concordar comigo.
Futebol
cada um enxerga como quer. Envolve sua educação, seus princípios e, muitas
vezes, sua paixão. Depois de tantos anos no futebol, não tenho mais a paixão de
arquibancada. Tenho apenas uma vontade enorme de ver nosso futebol melhor
organizado, melhor jogado e principalmente melhor dividido em todos os gêneros.
Ao longo da história, profissionais
como Dida, Rivaldo, Zico e, até mesmo, Pelé retomaram as carreiras após
períodos de inatividade. Você chegou a receber um convite do Cruzeiro, por
exemplo, para disputar a Libertadores do ano passado. Desde a despedida diante
do Bahia, em 2014, você cogitou rever a aposentadoria em algum momento? Por
quê?
Quando
resolvi parar, eu pensei muito antes de anunciar. Ponderei várias situações.
Uma delas, e a principal, era saber o que fazer pós-carreira. Viver futebol é
desgastante e já não tinha mais paciência para isso. Fisicamente estava
desgastado, mas mentalmente estava mais. Queria viver o dia a dia da minha
família, fazer as coisas junto dos meus filhos. E isso tem sido fantástico e
enriquecedor para mim. Outra coisa que queria muito era ver futebol sem a
responsabilidade de três pontos, sem a cobrança de me preparar para jogar.
Queria
ver de longe e começar a juntar o que penso do esporte sem esse envolvimento
que muitas vezes nos cega. Hoje, converso com dirigentes, treinadores,
jogadores, jornalistas, torcedores, e vou fazendo um apanhado junto com aquilo
que vivi sendo jogador de futebol. Confesso que está sendo ótimo. Estou
conseguindo ter uma visão ótima e sigo aprendendo. Então, em momento algum
consigo me ver em campo. Minha exceção é apenas em alguns lances de falta em que
fico imaginando o que aquele batedor irá fazer. Se estou com meu filho, falo para
ele o que eu tentaria fazer naquele momento, mas isso dura segundos e acaba.
O chileno Pellegrini foi bem no Manchester
City. Argentinos, Diego Simeone e Pochettino comandam Atlético de Madrid e
Tottenham, respectivamente. Sampaoli acertou há pouco com o Sevilla. Não há
treinadores brasileiros nas principais ligas da Europa, enquanto os
estrangeiros têm ganhado espaço por aqui. O treinador brasileiro, hoje, é mal
preparado?
É!
Primeiro, porque criamos uma linha de treinadores que estudavam pouco e
motivavam muito. O Brasil é o único país do mundo em que o treinador faz vídeo
com as famílias, namorada, esposa, amigos para criar um ambiente que o levará à
vitória. Sempre ouvimos dirigentes, jornalistas e torcedores dizendo que
precisamos de um treinador que dê um choque nessa equipe. O treinador que
falava baixo e era educado era visto com uma pessoa mole, de caráter fraco para
comandar um grupo de jogadores de futebol. Hoje se encaminha para uma mudança.
Até
mesmo porque a sociedade mudou, o futebol também mudou muito e, com isso,
nossos treinadores também mudarão. Frases feitas e repetidas durante décadas
valem pouco hoje. Conhecimentos adquiridos na prática e também na teoria serão
cada vez mais valorizados. Situações que antes não olhávamos, como
gerenciamento de pessoas, parte técnica, tática e conhecimento de relações
humanas terão que andar cada vez mais juntas para o treinador de futebol.
Tornou-se um cargo muito grande, além do que imaginávamos há 20 anos.
À época do acordo entre Cruzeiro e
Paulo Bento, você disse estar curioso com a chegada do português ao Brasil,
especialmente pela forma diferente como os europeus veem o futebol. Passado
pouco mais de um mês, qual é sua impressão inicial sobre o trabalho e a postura
do treinador?
O
início é péssimo e a bola está nas mãos da diretoria. Dar continuidade e
esperar os resultados aparecerem ou fazer o que nossa cultura manda. É muito
difícil para o Paulo pegar o trabalho pela metade. Na Europa, está acostumado a
conhecer a mentalidade do clube, a expectativa dos torcedores, seu grupo de
jogadores, o perfil desses jogadores, a logística de treinamentos e viagens. Ele
pegou tudo isso no meio do caminho e ainda deve estar vivendo as diferenças de
dia a dia, sobre o qual não podemos opinar, porque não sabemos como estão as
coisas dentro da Toca da Raposa.
Em dezembro último, você foi um dos
signatários de manifesto por renúncia de Marco Polo Del Nero e mudanças na
estrutura da CBF. Tite, que também assinou aquele documento, assumirá o comando
da seleção, ainda na era Del Nero. Em sua visão, até que ponto a chegada do
treinador, multicampeão pelo Corinthians, é um indício de mudança?
Não
vejo indício nenhum. Tite é o nome certo depois de dois anos de atraso. Desde
Luxemburgo, em 1998, não temos um treinador na seleção com tanto apelo popular.
Mas só aconteceu isso porque tivemos uma participação ruim na Copa América. Em
momento algum a CBF mostra intenção de modificar algo. Mais uma vez temos a
chamada de responsabilidade de podermos alterar nosso rumo. Espero que o Tite
vá além do cargo de técnico. Que ele possa se posicionar como alguém que abra
os caminhos para mudarmos para um caminho melhor para o nosso futebol.
A seleção olímpica de 2000 tinha
nomes como o zagueiro Lúcio, o lateral Fábio Aurélio e, no meio-campo, você e
Ronaldinho Gaúcho. Luxemburgo optou por abrir mão dos três jogadores acima dos
23 anos. Essa decisão pesou na campanha decepcionante? Quanto ao Rio 2016, vê
Neymar, aos 24 anos, pronto para ser a referência na busca pelo sonhado ouro?
O que
mais pesou em 2000 foi a falta de preparação para os jogos. Fizemos um
pré-olímpico fantástico em janeiro. Os Jogos Olímpicos começaram em setembro.
De janeiro a setembro, nosso grupo se encontrou apenas uma vez. Fizemos dois
jogos contra o Chile, um lá no Chile e outro em Florianópolis. A CBF não deu a
importância devida à competição e, quando lá chegamos, o Luxemburgo estava
sendo envolvido em várias acusações. Se lembrarmos, ele acabou em uma CPI.
Fizemos uma competição muito abaixo do esperado.
Para
o Rio 2016, não tenho dúvidas de que o Neymar está preparado para ser nosso
referencial técnico. Está jogando em um grande nível e acredito que com um
desejo enorme de poder mostrar junto dos seus companheiros o melhor futebol
possível. Acredito que temos totais condições de quebrarmos esse tabu e
alcançarmos o tão desejado ouro olímpico.
A Primeira Liga teve início neste ano
como um torneio associado à proposta de ter os clubes como protagonistas do
debate. Qual é a sua perspectiva em relação a esse movimento e à ideia de ser
criar uma liga nacional de clubes?
Minha
perspectiva é que tenha a segunda edição, melhor organizada e se aprimorando a
cada ano. A primeira coisa que queria ver melhorada é a divisão de cotas de TV
em igualdade. Independente de história, de número de títulos, números de
torcedores e outras situações. Igual para todas as equipes. Uma depende da
outra para o sucesso da competição e, aí, se coloca prêmio pela colocação. Por
meritocracia, quem chegar à frente leva as vantagens por ter alcançado o
objetivo final.
Em meio à eclosão de debates sobre o
futebol nacional pós-7 a 1, costuma passar batido o aspecto formação. Como você
vê, hoje, a relação dos clubes brasileiros com os atletas na base em relação à
técnica, tática e à preparação do cidadão?
A
formação é a parte mais importante. Os torcedores têm que começar a olhar para
a categoria de 14 anos e saber quais valores estão sendo passados ali. Isso é
de fundamental importância para aqueles que atingirão a equipe principal e
também para aqueles que não chegarem, a maioria. É importante, também, porque
se gasta muito dinheiro nesse período e poucos contabilizam depois. Outros
fatores são: quem são esses treinadores-educadores? Como ensinam? O que
ensinam? Que objetivos os clubes têm? Título ou trabalho de formação? São
questões relevantes que os torcedores podem e devem fiscalizar. O treinador do sub-15
tem que ser valorizado e fiscalizado tanto quanto o do time principal.
Temos
que, aos poucos, eliminar a promiscuidade existente na base do futebol
brasileiro. Isso passa pelo governo brasileiro, com uma alteração na Lei Pelé,
deixando essa relação mais equilibrada entre clube e atleta para que a figura
do empresário diminua cada vez mais. É um caminho longo, mas tem que ser
iniciado em algum momento. E esse momento era julho de 2014, mas será agora.
Estamos atrasados mais uma vez, mas temos que começar por algum lugar. Espero
que o Edu Gaspar e o Tite possam, de alguma forma, provocar esse início de
mudança de pensamento e que comecemos a implantar uma filosofia em nosso
futebol.
Alex é craque demais...
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