Vinícius Dias
Publicada em 20/01/2020, às 10h
Rebaixado
para a Série B, com pelo menos R$ 800 milhões em dívidas e receita para a
temporada prevista em R$ 80 milhões, o Cruzeiro vive a pior crise de sua quase
centenária história. "O que nós encontramos foi um cenário de
guerra", garante Saulo Fróes, presidente do Núcleo Gestor criado após a
renúncia de Wagner Pires de Sá, em entrevista exclusiva ao Blog Toque Di Letra. Realidade aterrorizante até mesmo para
empresários de sucesso. "Ele (Pedro Lourenço, ex-vice de futebol) viu
muita coisa errada. Foi o caso do (ex-CEO, Vittorio) Medioli também.
Assustou", revela.
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Saulo Fróes abre o jogo sobre crise celeste (Créditos: Bruno Haddad/Cruzeiro E.C.) |
Em
meio aos primeiros passos da reconstrução, a expectativa é de que o Cruzeiro
volte a competir com os grandes clubes apenas daqui cinco anos. "Já
fizemos muita coisa. Mas ainda existe muito risco de insolvência. Se o
sócio-torcedor não der certo, não vejo muita alternativa", pontua Fróes.
Com eleições à vista, a aposta em um futuro melhor também passa pela reforma
estatutária. "A história das pessoas que entravam com interesses, a gente
percebe isso pelo estatuto, feito justamente para as famílias perpetuarem e o
cooperativismo existir, acho que já passou", frisa.
Confira,
abaixo, os principais trechos da entrevista exclusiva.
Principais dificuldades enfrentadas
"Estamos
para completar 30 dias que o Núcleo Gestor assumiu e, realmente, o que nós
encontramos foi um cenário de guerra. Apesar de existirem muitas dificuldades,
a maior delas realmente é a falta de recursos. Mas, por incrível que pareça, a
falta de recursos às vezes fica em segundo plano, pois a desorganização, a
falta de gestão notória, as irresponsabilidades que foram cometidas, a
desorganização, comprometem demais o trabalho. Nós apagamos um incêndio não é
todo dia, não. É de meia em meia hora. Então, nesses quase 30 dias está tendo
muito trabalho árduo, em equipe, tentando reverter. Tem muita coisa a ser feita
e, principalmente, com uma dívida de R$ 800 milhões e uma receita prevista de
R$ 80 milhões, nós vamos ter que ser muito criativos, mas estamos sendo,
reduzindo substancialmente os custos e vamos fazer um planejamento bem coerente
com o que o Cruzeiro tem e poderá vir a ser no futuro. Temos que planejar,
temos que ser muito realistas e, acima de tudo, que amar o Cruzeiro para ter
uma dedicação dessas".
Voltar a competir com os grandes
clubes
"É
muito difícil prever quantos anos o Cruzeiro vai necessitar para voltar ao
cenário dos grandes clubes brasileiros. No início, acreditávamos que em três
anos poderia. Mas, de acordo com as coisas que foram acontecendo e os números
que a gente foi tomando conhecimento, porque cada hora tem uma surpresa,
dificilmente o Cruzeiro consegue chegar antes de cinco anos. Mas acho que com
três anos já começa a ter uma competição um pouco mais equilibrada. Para chegar
ao cenário, acredito em cinco anos, mas terá que ter gente séria, profissional
e, acima de tudo, que quer o melhor para o Cruzeiro. A história das pessoas que
entravam com interesses, a gente percebe isso pelo estatuto, feito justamente
para as famílias perpetuarem e o cooperativismo existir, acho que essa era já
passou. Como cruzeirenses, a gente vai monitorar sempre, independentemente de
estar na diretoria ou não, dando apoio e monitorando. Com o estatuto moderno
que vamos lançar, vamos deixar o clube bem preparado para que em pouco tempo,
quem sabe, os futuros dirigentes nos surpreendam e antes de cinco anos voltem a
colocar o Cruzeiro no lugar que ele merece".
Posicionamento na eleição
presidencial
"Nas eleições, que devem ocorrer até abril, o Conselho Gestor praticamente não tem ninguém que vai se candidatar. Vai vir uma pessoa de fora (do Conselho). Ainda
não temos nome. Vamos apoiar, sim, porque não queremos mais deixar o clube
correr como era antigamente, dominado por interesses pessoas, cooperativismos e
tudo de mal que essas pessoas fizeram. Estamos buscando, não é fácil, porque o
presidente vai encontrar muitos desafios, vai ter que ter uma administração com
austeridade. Mas nós vamos nos posicionar, sim. Temos certeza de que vamos
encontrar gente, modéstia à parte, igual a esse grupo, que só quer o melhor
para o Cruzeiro. Encontrando essa pessoa, nós já temos alguns nomes que estamos
sondando, a gente vai anunciar e apoiar de forma expressiva para que possa ter
condições de seguir a trilha de um clube vitorioso, profissional, com uma
gestão moderna e participativa, na qual todos querem o melhor para o
clube".
Saídas de Pedro Lourenço e Medioli
"As
informações são distorcidas e desencontradas em relação à saída do Pedro. Ele é
um grande cruzeirense, a pessoa que mais apoia, inclusive em termos
financeiros, praticamente só ele. Sou até suspeito para elogiar. A saída se deu
por alguns fatos desgastantes. Foi muita pressão, muita gente falando, cobrando,
ele viu muita coisa errada no Cruzeiro. Foi o caso do Medioli também. Assustou.
A gente chega lá, é um cenário em que há interesses, tudo mais, então o Pedro
não aguentou. Nós, empresários, estamos acostumados a um mundo diferente. É
competição, mas até certo ponto, de mercado. Lá não existe competição. No
Cruzeiro só existia interesse. Pedro ficou apavorado com isso. Ele também não é
uma pessoa muito de escritório, é mais de ação, haja vista o sucesso
empresarial dele. Então, ele saiu, mas continua apoiando e disse que onde o
Conselho Gestor estiver, inclusive com o nome a ser indicado (na eleição), ele
vai apoiar, porque tem plena confiança. Nós temos ótimo relacionamento tanto
com ele quanto com o Medioli. Não houve qualquer tipo de desentendimento. Ambos
saíram porque realmente viram que a situação é quase impossível de se reverter.
Hoje, talvez eles pensassem duas vezes, porque nós já fizemos muita coisa, já
melhorou o cenário. Mas ainda está longe, ainda existe muito risco de
insolvência. Se o sócio-torcedor não der certo, não vejo muita alternativa. Se
a torcida não abraçar, se os nove milhões não mostrarem que são cruzeirenses
mesmo, dificilmente vamos ter êxito. Mas a gente está acreditando e vamos fazer
a nossa parte. Depois que a gente sair, acredito que todos vão reconhecer o que
foi feito nesses poucos meses, em um cenário que era quase impossível reverter,
até para mim. Mas, aos poucos, estou acreditando que vamos conseguir e vamos
sair dessa, se Deus quiser".