Em dois anos, foram registradas cinco denúncias em Minas, de
acordo com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol

Vinícius Dias

Neste dia 21 de março, que marca a luta internacional pela eliminação da discriminação racial, o Brasil não tem motivos para comemorar quando se trata do esporte mais popular do país. Levantamento do Observatório da Discriminação Racial no Futebol - ao qual o Blog Toque Di Letra teve acesso com exclusividade - apontou um aumento de 75% no número de denúncias de racismo contra jogadores ou árbitros em território nacional entre 2014 e 2015. A lista de vítimas inclui nomes como Jemerson, Michel Bastos e Arouca, todos com passagem pela seleção.


Em 2014, foram registrados 20 casos, sendo 19 em estádios e outro na internet. Em 2015, foram 35 casos - 24 em estádios, 11 na internet. "O aumento das denúncias acontece pela maior conscientização das vítimas e também pelo encorajamento que denúncias anteriores promovem", avalia Marcelo Carvalho, diretor-executivo do Observatório. "Porém, ainda falta o mais importante, exigir punição. Exigir punição é registrar B.O. e ir adiante com a abertura de processo na Justiça", pontua.

(Arte: Vinícius Dias/Blog Toque Di Letra)

O estado campeão em denúncias foi o Rio Grande do Sul: nos 24 meses, foram 14. Minas Gerais, por exemplo, somou cinco casos - três em 2015. Outra tendência apontada é a de migração do racismo de estádios para a internet. Carvalho elenca dois motivos. "Primeiro, a impressão que grande maioria dos internautas tem de que a internet é terra sem lei. E segundo que, diferente de crimes nos estádios, onde a Justiça Desportiva tem 60 dias para julgar os incidentes, julgamento na Justiça Comum pode durar anos", argumenta.

Punições previstas

Mestre em Direito, Gustavo Lopes de Souza explica que, nesse cenário, o ato de racismo caracteriza o crime de injúria racial, punível com a pena de reclusão de um a três anos, além de multa, conforme o Código Penal. Na esfera desportiva, a pena pode variar de cinco a dez jogos de suspensão, em caso de ato praticado por atleta ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de 120 a 360 dias, se praticado por dirigente, por exemplo. O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) também prevê multa de R$ 100 a R$ 100 mil em ambos os casos.

Aranha foi vítima de racismo em 2014
(Créditos: Ivan Storti/Flickr/Santos FC)

O artigo 243-G abre ainda a possibilidade de punição aos clubes, variando desde perda de pontos a exclusão da competição. "Como ocorreu com o Grêmio na partida contra o Santos pela Copa do Brasil em 2014", lembra Lopes de Souza. Nos bastidores, porém, o texto é motivo de críticas. "A leitura é dúbia quando não define o número de torcedores (envolvidos no ato) para punir um clube", pondera o gerente-executivo do Observatório. Para os torcedores identificados, o CBJD prevê a proibição de entrada em estádios por, no mínimo, 720 dias.

Busca por soluções

Antônio Carlos da Silva, conhecido como Buião, foi vítima em um dos 20 registros de 2014. Em abril daquele ano, o então treinador do Vocem foi chamado de 'macaco' por torcedores do Bandeirante, de Birigui, em jogo válido pela Segunda Divisão do Paulista. Para ele, a solução está ligada à educação. "Em curto prazo, seria a punição. Mas tudo vem da educação. Temos de começar lá de baixo, reestruturando a educação. Assim, vamos colher os frutos lá na frente", afirma o ex-atacante do Palmeiras ao Blog Toque Di Letra.

Allano: resposta por meio do Instagram
(Créditos: Allano/Instagram/Reprodução)

Na lista das vítimas do último ano estão os nomes do cruzeirense Allano e do ex-atleticano Jemerson, ofendidos por meio de redes sociais. À época, Allano usou o Instagram para se posicionar. "Sinceramente, fico triste em saber que isso acontece ainda", disse. Em entrevista ao Blog, em junho, Jemerson lamentou a recorrência dos atos de racismo. "São pessoas com necessidade de aparecer, sabem que não vão ser punidas e que ninguém toma providência para acabar com isso".

Raio-X das punições

Relatório do Observatório da Discriminação Racial do Futebol referente a 2014 aponta que nove dos 19 casos registrados em estádios brasileiros naquele ano receberam punição no âmbito desportivo - TJD ou STJD. Na temporada passada, segundo levantamento realizado pela entidade, oito das 24 ocorrências foram julgadas pela Justiça Desportiva e apenas uma punição foi registrada, em caso que coube ao TJD/TO.

Gustavo Lopes analisa legislação atual
(Créditos: Arquivo Pessoal/Gustavo Lopes)

Questionado sobre a combatividade, o vice-presidente do IBDD, Gustavo Lopes de Souza, observa que a Justiça Desportiva tem atuação restrita. "Mas, independente disso, a Justiça Desportiva, especialmente o Pleno do STJD do futebol, a instância maior, está atenta ao racismo", pondera. "A grande questão é a necessidade de maior especialização jusdesportiva de auditores que, muitas vezes egressos de outras áreas, não possuem o conhecimento técnico e a vivência necessários", completa.

Racismo institucional

Em enquete realizada pelo Blog na última semana, 39% dos participantes disseram já ter presenciado ato racista em estádios país afora. Em meio a esse contexto, Marcelo Carvalho sustenta a tese de racismo institucional. "Das discussões sobre profissionalização, nos anos 1920, para cá, o negro ganhou importância no futebol por talento e técnica, mas não respeito. A presença insignificante de negros como técnicos e dirigentes retrata bem isso", argumenta.

Lula Pereira: de volta ao futebol no Ceará
(Créditos: Site Oficial do Ferroviário/Divulgação)

A análise corrobora a afirmação de Lula Pereira à Revista Placar em março de 2013. "Já ouvi de empresários: 'O pessoal do clube gostou do seu perfil, mas me desculpe, você é preto'", disse o pernambucano, à época desempregado. Longe dos holofotes do passado - Lula chegou a comandar o Flamengo -, ele retornou ao futebol neste ano como diretor de comissão técnica do Ferroviário, do Ceará. Andrade, o primeiro treinador negro a ser campeão brasileiro, por exemplo, não teve novas oportunidades na elite depois de deixar o Flamengo, em 2010.

Relatório do racismo

Na primeira semana de maio, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol fará o lançamento do relatório referente aos casos registrados no ano passado. Além dos dados sistemáticos, inclusive os citados acima, a versão impressão trará análise de especialistas.

5 comentários:

  1. Seria um bom tema pra ser discutido em Brasília! !E colocar leis que pune os infratores tanto nos estádios quanto na internet! !

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  2. O problema é a repercussão que damos a esses casos. Eu sou negro e nunca acusaria de racista quem me chamasse de macaco. A unica maneira de acusar uma pessoa que praticasse ato racial contra minha pessoa seria se eu fosse impedido de entrar em um determinado lugar, alguém me negasse um emprego por causa da minha cor e por ai vai. No mais eu nunca me importaria em ser chamado de negão, de macaco e muito menos por eu comer bananas. Eu como bananas direto. Enquanto existir essa "banalização" por chamar o outro de macaco, haverá sim motivos para mais ignorância humana.

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    1. Claro, vamos parar de falar no racismo, que ele deixa de existir. Está corretíssima a sua lógica.
      E não é porque você é negro, e não se sente lesado, ou não compreende a dívida imensa histórica, que você deve deslegitimar discussões tão importantes acerca do racismo, viu? Lembre-se de que o mundo não é só seu e que a desconstrução é sim necessária, até mesmo para o empoderamento dessas pessoas. Cuidado com o seu discurso.

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  3. O grande problema é que tem muita gente, mas muita gente mesmo, que acha que isso é normal por se tratar de questões relacionadas ao desempenho ao atleta em campo quando na verdade, uma coisa não tem nada a ver com a outra. As autoridades não querem mexer nisto, por se tratar de assunto polêmico.

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  4. Eu ODEIO gente que faz isso, ODEIO! Como se o sangue que corre na veia de um negro fosse diferente do sangue do branco! O maior problema que vejo são atletas que não querem denunciar e a total falta de providências firmes das autoridades. Lembro até hoje do jogo que fizeram aquele nojo com Tinga. Mesmo perdendo minha vontade era acabar o jogo só para que pudessem tirá-lo de lá. Aquele clube nunca foi punido. Deveria ter sido proibido de jogar a LA por, no mínimo, cinco anos. Repetiu? 10 anos e assim vai. Tenho nojo, nojo, nojo. Essas pessoas deveriam ser presas, fazer algum procedimento educacional, alguma coisa que as fizessem aprender. Independentemente de idade. São os COVARDES DA INTERNET!!

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