Tiago de Melo
Há anos a torcida do Santa Cruz
impressiona o país. É difícil compreender como pode um clube levar tantos
torcedores ao estádio, mesmo estando nas divisões mais inferiores do
Brasileiro. A resposta não é simples e está em muitos lugares.
Primeiramente, é importante entender
o contexto do Recife. Uma cidade historicamente apaixonada por futebol, onde
duas torcidas sempre buscaram a hegemonia: Sport e Santa Cruz. Clube associado
à elite, o Náutico sempre foi a terceira torcida da cidade, ainda que muito
fiel.
Arruda: mais de 26 mil por partida (Créditos: Jamil Gomes/Santa Cruz-PE) |
Em um período de 20 anos a situação
mudou. Entre 1991 e 2010, o Sport venceu 14 estaduais, contra três do Santa e
outros três do Náutico. Sua torcida se consolidou como a maior do estado e,
graças ao clube dos 13, o rubro-negro se consolidou como o clube mais rico da
cidade, o de maior torcida e o de mais títulos.
A força do coração
A situação era difícil para o rival
histórico. Com menos títulos, torcida e dinheiro, o que sobrava? A paixão. E a
torcida coral entendeu isso perfeitamente. Isso mudaria a história do clube,
tornando-o querido pelo restante do país.
Tudo começou em 2009. Naquele ano, a
equipe nem conseguiu chegar perto de disputar o título estadual. E não passou
da primeira fase da Série D. Mesmo assim, teve a segunda média de público entre todas as divisões do Brasileirão. O Brasil começou a desconfiar que algo
acontecia nas arquibancadas do Arruda.
Santa: de fé se construiu a paixão (Créditos: Jamil Gomes/Santa Cruz-PE) |
Em 2010, outro fracasso em nível
regional e nacional. Mas os 55 mil torcedores na partida contra o Guarany de Sobral, pela quarta divisão, mostravam mais uma vez que havia algo muito sério acontecendo entre os
tricolores.
Novo rumo tricolor
Veio 2011 e, conduzido por sua
torcida, o Santa finalmente venceu o pernambucano e conseguiu o acesso à Série
C. A essa altura todos os torcedores que se sentiam cansados com os rumos
elitizantes do futebol brasileiro já haviam elegido o Santa Cruz como alvo de
sua paixão.
2012 viu um inacreditável bi do Santa
numa decisão contra o Sport, capaz de matar do coração os cidadãos mais
saudáveis do Recife. O acesso à Série B nacional não veio, apesar de o torcedor seguir
abarrotando as desconfortáveis arquibancadas do Arruda.
Mas, em 2013, o sonho tricolor se tornou realidade. O Santa venceu as duas partidas da final contra o Sport, chegou ao tri estadual e, no fim do ano, voltou à Série B, em uma partida agonizante contra o Betim, com direito a estádio lotado com 60 mil pessoas e gol da classificação no fim do jogo.
Tricolor retorna à Série B em 2014 (Créditos: Jamil Gomes/Santa Cruz-PE) |
O acesso do Santa tem múltiplos
significados. Representa a dignidade de uma torcida e de um clube que
conheceram o 'fundo do poço' como ninguém mais. Mostra que o amor de uma torcida
pode fazer milagres. E também aponta que há muitos brasileiros insatisfeitos
com o projeto que muitos têm para o futebol nacional. Afinal, todos os que
não querem saber de estádios lindos para poucos que podem pagar fortunas
torceram para o Santa como forma de resistir a esse modelo.
De beleza e poesia
Nesse contexto, cada um dos 60 mil
torcedores que vibraram pelo acesso do Santa representou um pouco do que cada
brasileiro sente. Que futebol não é um negócio como qualquer outro. Qualquer
brasileiro que acha que futebol é amor se sentiu no Arruda no último domingo.
Nesse sentido, a vitória do Santa foi uma vitória de todos os que ainda acreditam
que há beleza e poesia no futebol.
Nenhum comentário:
Postar um comentário