Ao longo de duas gerações, ítalo-brasileiros escreveram história
singular em Minas Gerais e abriram caminho no futebol italiano

Vinícius Dias

Com seus 207 gols, Leonízio é o terceiro principal artilheiro da história do Cruzeiro. João é quem mais balançou as redes em um mesmo jogo pelo clube: dez. Ottavio defendeu a seleção italiana nos anos 1930. Orlando se consagrou como treinador. Fernando fez carreira na Lazio e no América. Benito é o segundo estrangeiro que mais vezes atuou pelo Atlético. Pelos nomes, parecem registros aleatórios. Quando analisados os sobrenomes, porém, as seis trajetórias apresentam um ponto em comum: o DNA de campeão da família Fantoni.


Os primeiros versos da relação dessa família ítalo-brasileira com o futebol foram escritos há quase nove décadas, quando os irmãos centroavantes João e Leonídio - mais conhecidos como Ninão e Niginho -, além do primo meio-campista Ottavio - tratado como Nininho -, vestiram a camiseta do recém-fundado Palestra Itália. O sucesso do trio nos gramados de Minas Gerais despertou o interesse do futebol italiano, palco de uma das ligas mais poderosas do mundo naquele período.

Niginho ao centro: artilheiro celeste
(Créditos: Site Oficial do Cruzeiro/Arquivo)

Ninão e Nininho foram os primeiros a trocar o Brasil pela 'terra da bota', onde ganharam os apelidos de Fantoni I e Fantoni II. O acerto, facilitado pelo fato de os dois atletas terem ascendência italiana, foi finalizado em 1930. "Um diretor (da Lazio) veio para cá, assistiu a um jogo do Palestra Itália e ficou encantado. Com isso, fez a proposta. Eles (Ninão e Nininho) aceitaram, mas pediram garantias. Eram 40 contos de réis. Após dois ou três dias, fizeram o depósito", narra Benito Fantoni Júnior, neto de Ninão, ao Blog Toque Di Letra.

Transações milionárias

Tiago de Melo Gomes, pós-doutor em História na Universidade de Turim, analisa as cifras envolvidas na transação. "Foi, sim, um valor considerável. 40 contos de reis equivaliam, na época, a cerca de US$ 4 milhões. A título de comparação, um senador brasileiro tinha salário mensal de três contos. Um Dodge Vletor, carro muito procurado na época, custava cinco contos. Eles poderiam comprar oito de uma vez". Dois anos depois, foi a vez de Niginho, irmão de Ninão e primo de Nininho, acertar com a Lazio. Em solo italiano, o goleador se tornou Fantoni III.

Morte de Nininho provocou comoção
(Créditos: Reprodução/LazioWiki.org)

Os três trilharam caminhos bem diferentes em Roma. Niginho confirmou o faro de gol balançando as redes por três vezes em um clássico diante do Milan. Ninão fez 63 gols com a camisa da equipe. Nininho logo se tornou titular da Lazio e chegou a defender a Squadra Azzurra nas Eliminatórias para a Copa de 1934, mas teve fim trágico. Em janeiro de 1935, fraturou o nariz em partida diante do Torino. O quadro se agravou e, duas semanas depois, ele morreu devido a uma septicemia. Uma multidão foi às ruas de Roma para se despedir de Fantoni II.

Homenagem no nome

No mesmo ano, temendo a convocação para a invasão italiana à Abissínia, atual Etiópia, Ninão e Niginho deixaram a Itália. O primeiro trouxe consigo um herdeiro, cujo nome remonta a um episódio curioso. À época, um dos quatro filhos do primeiro-ministro Benito Mussolini era dirigente da Lazio e prometeu pagar as despesas do parto caso Ninão fizesse um gol contra a Juventus, em Turim. Gol feito, promessa cumprida. "E para homenagear o Mussolini, meu pai me batizou como Benito Romano, nascido em Roma, e Fantoni, sobrenome da família", revela.

Benito Fantoni, em destaque, no Atlético
(Créditos: Arquivo Pessoal/Nilson Batista Cardoso)

Ainda na infância, Benito viu o tio Orlando dar os primeiros passos com a camiseta do Palestra. No fim dos anos 1940, o atacante cruzou o Atlântico, tornando-se Fantoni IV na Lazio. Foi como treinador, no entanto, que se consagrou. Primeiro, na Venezuela, sendo pentacampeão por três equipes diferentes. A seguir, no Brasil, comandou times como Corinthians, Bahia, Grêmio, Cruzeiro e América. Segundo levantamento feito pelo historiador Carlos Paiva, Orlando dirigiu o Coelho em 93 partidas e foi o responsável por montar o elenco de 1973, que fez a melhor campanha da história do clube na Série A: sétimo lugar.

Trajetória no América

Em campo, o primeiro Fantoni a vestir a camisa alviverde foi Niginho - em amistoso realizado em 1942. Mas foi seu sobrinho Fernando, primogênito de Ninão, que se tornou ídolo. De 1957 a 1961, o defensor disputou 182 jogos pelo América, de acordo com os cálculos de Carlos Paiva. Fantoni V, como ficou conhecido na passagem pela Lazio, foi um dos destaques do Coelho no título do Campeonato Mineiro de 1957, conquistado após nove temporadas de jejum.

Benito Júnior ao lado do pai, de 84 anos
(Créditos: Vinícius Dias/Blog Toque Di Letra)

A exemplo do irmão, Benito optou pelo setor defensivo. O sexto Fantoni pôs fim à conexão familiar com a Lazio, iniciando a carreira profissional na Venezuela. Em Minas Gerais, seu primeiro clube profissional foi o Atlético, onde conquistou os estaduais de 1956 e 1958. "Fui o único (da família a vestir a camisa alvinegra)", conta o italiano. Em 1959, Benito se transferiu para o Cruzeiro, sendo mais duas vezes campeão mineiro e encerrando a saga Fantoni nos gramados.

Ex-atletas 'em família'

Fora deles, contudo, a história ganhou novos capítulos. Após pendurar as chuteiras, o filho de Ninão comandou o infantil do Atlético e foi auxiliar de treinadores como Yustrich e Carlos Alberto Silva na equipe profissional do Cruzeiro. "A integração com os companheiros era muito boa", afirma, com saudosismo, ao Blog. Casado com a mineira Vivien Lea, Benito é cunhado do ex-zagueiro William Assis, seu companheiro nos tempos de Atlético, e concunhado do treinador Procópio Cardozo.

Um comentário:

  1. Muito bacana essa matéria, da família eu só conhecia o Orlando Fantoni, famoso "titio" aqui no Rio. Legal saber do Benito e do resto da família também.

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