Atlético e Cruzeiro perderam com mais posse nesse domingo; para
especialistas, calendário é o grande adversário do jogo propositivo

Vinícius Dias

Ponto-chave da estratégia do Barcelona de Pep Guardiola, equipe mais vitoriosa do século XXI, o controle da bola não tem sido sinônimo de bons resultados neste Campeonato Brasileiro. Conforme levantamento realizado pelo Blog Toque Di Letra, jogo a jogo, a partir dos dados disponibilizados pelo Footstats, as equipes que tiveram mais posse de bola venceram apenas 26% das partidas - 42 das 159 - disputadas até esse domingo. Os números motivam o debate entre especialistas, unânimes em apontar o calendário nacional, com jogos em curtos intervalos, como grande vilão.


"Nossa cultura dificulta demais para treinadores e times. Você não melhora jogando, melhora com treinamentos. Se não há tempo hábil, os jogos caem de produção e as mudanças cabem em cima apenas de resultados", reprova o ex-meia Alex. "Você consegue perder três jogos em uma semana, mas pode ter sido melhor que o adversário em todos. O que imaginamos para o nosso time? Vencer por vencer ou com bons jogos? Por isso, a dificuldade quando vêm treinadores de fora. Eles precisam de mais tempo ainda para entender o calendário ridículo que a turma da CBF faz e os clubes aceitam".

Ex-meia critica calendário brasileiro
(Créditos: Gualter Naves/Light Press/Cruzeiro)

Camisa 10 de esquadrões históricos de Cruzeiro e Palmeiras, o hoje comentarista da ESPN Brasil evita comparações entre estilos. "Existem várias formas de se atuar. Ter posse de bola não significa ter domínio do jogo. É preciso ver como foi essa posse. Às vezes você tem a posse na intermediária, mas não fura o bloqueio do adversário, que pode em dois contra-ataques definir o jogo. Tem aqueles que preferem dar a bola ao adversário e apenas esperar para contra-atacar, mas não sendo eficientes podem tomar um gol e não conseguem alterar a forma de jogar".

Reagir gera desgaste emocional

Fisiologista com passagens por Cruzeiro e Botafogo, Matheus Fontes também critica o calendário. "É muito ruim, atrapalha o espetáculo. Fisiologicamente, contribui para que os times tenham menor capacidade de desempenho. Além disso, quando monitoramos a percepção subjetiva de esforço, percebemos que ter um padrão reativo resulta em maior desgaste emocional", revela. "A postura mais defensiva também pode estar relacionada à busca por cursos, como o da CBF, que conta com instrutores europeus. Os treinadores têm adquirido conceitos, novas ideias de jogo", emenda.

Brasileiro monitora dados de atletas
(Créditos: Arquivo Pessoal/Matheus Fontes)

Responsável pela implantação de um projeto inovador no futebol português, reduzindo em 74% o índice de lesões musculares no Marítimo entre as temporadas 2015/2016 e 2016/2017, o brasileiro destaca a abordagem científica acerca do jogo reativo. "A partir de 2002, 2003, as pesquisas começaram a relacionar os melhores resultados às equipes com maiores distâncias percorridas em alta intensidade. Recentemente, um estudo realizado na Bundesliga constatou que vai além disso: é preciso ter alta intensidade quando está com a posse de bola".

Com menos posse e mais vitórias

De acordo com o Footstats, na última edição do Campeonato Brasileiro, 52% das vitórias foram conquistadas por equipes que tiveram menos posse de bola durante as partidas. Conforme levantamento realizado pela reportagem, jogo a jogo, até esse domingo, o cenário tem se repetido com frequência ainda maior na atual temporada: 65%. Disputados os primeiros 159 confrontos - 121 terminaram com vencedor -, 89% dos triunfos de times visitantes aconteceram sem o controle da bola. Entre os mandantes, o índice de vitórias com posse inferior ao oponente é de 49%.

65% das vitórias tiveram menos posse
(Créditos: Washington Alves/Light Press/Cruzeiro)

Com trabalhos na Europa e na Ásia, Paulo Autuori pondera que o sucesso de equipes que dão a bola ao adversário não é exclusividade do Brasil. "A última foi o Manchester United contra o Ajax. Uma estratégia do Mourinho de deixar o Ajax propor o jogo e só trabalhar em relação às transições. Valeu o título da Liga Europa". A recorrência no futebol nacional, no entanto, é atribuída à maratona de jogos. "O calendário não permite que o treinador tenha condições de treinar como deve ser. Os jogadores estão sempre entrando em campo sem estarem completamente recuperados".

'Treinadores têm que sobreviver'

Cenário que inibe estratégias mais arrojadas. "Para propor, você tem que estar com uma disponibilidade física grande para, se perder a bola, já começar um pós-perda e recuperá-la rapidamente. E é óbvio que construir é muito mais complicado do que destruir. Como você tem pouco tempo para treinar, como vai fazer sua equipe propor jogo? É necessário um jogo posicional, é necessário trabalhar para isso e não há tempo", questiona o carioca, que levou o Cruzeiro ao título da Copa Libertadores, em 1997, e hoje é gestor técnico do Atlético/PR.

Autuori questiona ciranda de técnicos
(Créditos: Thiago Maceno/Site Oficial/Atlético-PR)

Autuori também reprova as sucessivas trocas de comando. "Com essa ciranda absurda de técnicos, você vai pelo mais seguro, que é não ter posse e esperar o adversário errar. Os dois treinadores têm que sobreviver", lamenta, apontando um círculo vicioso. "Se não mexer no mais importante, que é o calendário, nada será alterado. Vamos continuar vendo jogos de baixa qualidade, porque se joga toda hora. Nisso entra a televisão, que exige, a CBF, que permite. O problema está ligado à incapacidade dos responsáveis pelo futebol brasileiro de refletir e tentar alguma mudança".

2 comentários:

  1. Pleno acordo.É impossivel voce jogar 3, 4 competições bem. E agora então com a libertadores e a copa do Brasil mais longas piorou. E de quebra ainda inventaram esse torneio fantasma de primeira liga. E a culpa da troca de treinadores são da torcida que quer que o time ganhe tudo e não pode perder 4 , 5 partida que ja começa a precionar os dirigentes. E hoje, quem joga no erro do outro se da melhor, corinthians que o diga.

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  2. Tema interessante e muito coerentes as colocações dos amigos Alex, Matheus e Autuori na matéria.
    Acrescentaria algumas ponderações:
    1) Quando se joga fora de casa, há uma tendência natural, instintiva de se resguardar mais, daí terem menos posse;
    2) O modelo de propor o jogo e ter posse demanda treinamentos e mais treinamentos, pois envolve o conceito de "Comunicação", entrosamento;
    3) No jogo de proposição é necessário também ter jogadores talentosos, que possam decidir em um lance ou numa enfiada de bola de qualidade, portanto, fica patente, para termos de comparação: O FC Barcelona!!! Repleto de?!... Talentos!!!
    4) Assim sendo, posse de bola só dará certo com: Tempo para treinamentos e jogadores talentosos;
    5) O jogo de posse bem executado implica em um time que joga com linhas próximas atacando e defendendo em bloco, o que demanda maior distância percorrida e em alta intensidade, por quê? Porque onde estiver a bola, é onde está a alta intensidade;
    6) Resumindo: O jogo agudo reativo, de passes mais longos e em direção ao gol, quase "ligação direta" é a única opção: Com times fadigados o jeito é esperar, é deixar o adversário ficar correndo, com posse e só ir cercando, fazendo os balanços para fechar os espaços. Quando conseguir roubar a bola é transição rápida pra tentar chegar logo ao gol adversário. É um modelo diferente de um Atlético de Madrid, por exemplo, que ao perder a bola exerce imediatamente uma marcação recuada extremamente intensa para roubar a bola rápido em seu campo e fazer um rápida transição ofensiva.

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