Em quatro meses, foram contabilizados
17 casos no Brasil; número
corresponde a 85% do total registrado
durante a última temporada
Vinícius Dias
De
janeiro a abril, o futebol brasileiro registrou, em média, um caso de racismo
por semana. Resultado de levantamento do Observatório da Discriminação Racial
no Futebol, ao qual o Blog Toque Di
Letra teve acesso com exclusividade, os números apontam o recorde de
denúncias em um início de temporada desde 2014, ano de criação da entidade.
Foram 17 incidentes nos primeiros 120 dias - quatro por meio de redes sociais/TV
e 13 em estádios, em sete estados diferentes. A lista de vítimas inclui
jogadores, treinadores, funcionários de estádios e torcedores.
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"O
maior problema é que o Brasil é um país racista, mas não se assume como tal.
Atos racistas e atitudes preconceituosas se tornaram tão normais em nosso dia a
dia que nem os consideramos mais uma violência", analisa Marcelo Carvalho,
diretor-executivo do Observatório. "Algumas expressões já não são mais
ditas graças à luta de centenas de movimentos que combatem a discriminação
racial, mas outras expressões resistem disfarçadas de brincadeiras ou apelidos.
É preciso dar mais importância ao que dizem as vítimas, e não a quem comete o
racismo", emenda.
Entidade luta contra racismo desde 2014 (Créditos: Observatório da Discriminação/Arquivo) |
Discurso
corroborado pelo historiador Thiago Costa. "Negar a existência da
violência, silenciando o problema, também pode ser considerado uma forma de
coerção da informação", pontua o coordenador do Museu Brasileiro do
Futebol, no Mineirão. "Vivemos em uma sociedade que, de modo geral, cultua
a violência em várias formas. O esporte está inserido nela, e não é somente
prática esportiva, é prática social, de lazer e de cultura. Assim, a segregação
que ocorre na sociedade desde os períodos mais antigos também é refletida no
esporte", acrescenta.
Falta de ações é ponto negativo
Em
breve, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol fará o lançamento do
relatório referente ao último ano. Foram elencados 27 casos, sendo sete
ocorridos na internet e 20 em estádios - cinco em São Paulo, estado recordista,
e pelo menos um por região do país. "Os números de 2016 são muito
parecidos com os de 2014, primeiro ano do relatório, e sinalizam que a
diminuição em relação a 2015 (35 casos) foi apenas casual, o que fica evidente com o crescimento absurdo dos números nesses primeiros meses de 2017", revela
Marcelo Carvalho.
(Arte: Vinícius Dias/Blog Toque Di Letra) |
Para
o diretor-executivo, um dos pontos negativos é a falta de ações por parte de
clubes e instituições públicas e privadas ligadas ao esporte. "Estão
preocupados apenas em apagar os focos de incêndio e esconder o problema ou
fingir que ele não existe", aponta. De janeiro a abril deste ano, a
entidade também registrou casos de racismo no vôlei e no futebol americano,
além de homofobia e xenofobia no futebol. "O Brasil vive um momento
perigoso. A violência e o ódio às minorias estão evidentes em todos os lugares,
sem constrangimento algum de quem os pratica", lamenta.
Futebol mineiro na 3ª colocação
De
2014 a 2016, Minas Gerais foi o terceiro estado com maior número de denúncias
de racismo: seis, ao lado de Paraná e Santa Catarina - superados apenas por São
Paulo, com 11 casos, e o líder Rio Grande do Sul, com 17. Um novo incidente
ocorreu no estadual deste ano. De acordo com a súmula do jogo entre URT e
Caldense, válido pela 1ª rodada, foi registrado "boletim de ocorrência por
suposta injúria racial ao treinador da Caldense, Thiago Oliveira". O crime de injúria racial tem punições previstas no Código Penal e no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
Marcelo Carvalho, em evento, com Tinga (Créditos: Observatório da Discriminação/Arquivo) |
Em
meio à 15ª Semana Nacional de Museus, o tema estará em pauta no Museu Brasileiro do Futebol, no Mineirão, neste sábado. "Elegemos três grandes
silêncios do futebol: machismo, diversidade sexual e racismo", destaca o
coordenador Thiago Costa. Marcelo Carvalho será um dos participantes. "O exercício de
refletir e debater sobre esses temas ajuda na troca de experiências e
aprendizados para pensarmos em uma sociedade que respeite mais as diferenças.
Portanto, a ideia central nessa semana é dar voz
a esses grupos", completa, na esperança por dias melhores.
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