Vitorioso na base,
dirigente mira primeiro título no cargo e exalta
tradição azul na Copa do
Brasil: 'Camisa do Cruzeiro enverga varal'
Vinícius Dias
Da
apresentação em meio à luta contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro de
2015 à recente classificação às semifinais da Copa do Brasil, Bruno Vicintin
está prestes a completar dois anos como vice-presidente de futebol do Cruzeiro.
"Talvez seria mais cômodo e melhor para a minha imagem ter esperado um
momento mais tranquilo", reconhece em entrevista exclusiva ao Blog Toque Di Letra. "Porém, como
cruzeirense, eu não ia aceitar me esconder", emenda, na expectativa pela
primeira conquista. "Se não conseguirmos nenhum título, teremos um gosto
amargo".
Vicintin fala sobre erros e acertos (Créditos: Washington Alves/Cruzeiro) |
Relembrando
erros e acertos ao longo dos 24 meses, o dirigente revela bastidores da
demissão do português Paulo Bento, no ano passado, e da saída do argentino
Ramón Ábila, artilheiro da equipe nesta temporada. "Ele deixou claro para
mim que não queria permanecer, apesar de respeitar muito o Cruzeiro". Fora
da disputa pela sucessão presidencial, Bruno Vicintin também detalha pontos do
plano de gestão que pretendia implantar, reafirma seu ponto de vista sobre o
estatuto do clube e fala sobre a relação com o presidente Gilvan de Pinho
Tavares no dia a dia.
Na primeira entrevista ao BLOG após assumir a vice-presidência de futebol do Cruzeiro, você falou em
'plantar coisas boas'. Prestes a completar dois anos no cargo, qual você
considera ter sido seu maior acerto, a principal coisa boa que plantou? E o
maior erro?
Coisa boa foi não ter me escondido no momento em que o Cruzeiro
mais precisou. Talvez seria mais cômodo e melhor para a minha imagem ter
esperado um momento mais tranquilo, tanto político como financeiro quanto
técnico no clube para assumir um cargo no profissional. Porém, como
cruzeirense, eu não ia aceitar me esconder. Na prática, implantamos a área de
análise de desempenho no clube, que praticamente não existia. Muita gente acha
que é somente análise de mercado, mas essa é apenas uma pequena parte do
departamento. Hoje, temos um histórico de todos os jogadores desde o sub-14 com
imagens e estatísticas que vão ajudar o clube na formação deles. A formação das
gerações 1998 até 2003 foi muito mais bem feita do que a das gerações 1995 a
1997, e o Cruzeiro já está colhendo frutos dessa captação agressiva, como o
Nonoca, que foi um jogador que já estreou bem no profissional e chegou ao clube
em 2013, quando eu era superintendente da base.
Fizemos também diversas reformas no clube que vão ficar de legado
na Toca I e na Toca II para várias gerações. A estrutura física que vão receber
é muito superior à que recebi, como academia, dormitórios, escola, campos,
fisiologia, preparação física e performance. Já o meu maior erro foi ter
aceitado trabalhar com dirigente estatutário que nenhuma outra área do clube
aceitava trabalhar e eu aceitei. Outro erro foi no início de 2016. Naquela
época, eu já queria ter promovido o Klauss, queria ter feito minha própria
equipe, mas aceitei que se buscasse outro dirigente no mercado. E este
dirigente mostrou não ser merecedor da confiança que depositei nele. E isso
acabou dando muito errado.
Gilvan é apontado nos
bastidores como um presidente centralizador e, em vários momentos, especulou-se
que ele teria vetado iniciativas suas. Até que ponto, ao longo desse período,
você teve autonomia para tomar as decisões do futebol?
Eu acho uma covardia muito grande justificar falta de resultados
com falta de autonomia. A única pessoa que tem 100% de autonomia no clube é o
presidente. Meu trabalho é convencê-lo dos fatores que eu acho importantes, e é
natural existir divergências de opiniões, ninguém concorda com o outro o tempo
todo. Porém, se eu fiquei na diretoria foi porque eu aceitei essa forma de
trabalho e porque eu achava que conseguiria ajudar o clube a evoluir, o que
sempre foi a minha única intenção.
Desde 2016, você vinha
sendo citado como provável candidato da situação à presidência. Para tanto, era
preciso que o estatuto fosse alterado, o que não ocorreu. O presidente te
comunicou o motivo de sequer ter convocado a assembleia? Isso te decepcionou?
Para você, o debate foi iniciado no momento errado?
O presidente me falou que achava que ele seria acusado de casuísmo
por mudar o estatuto em ano de eleição. Eu acho que o estatuto do Cruzeiro deve
ser mudado, pois ele engessa novas lideranças no clube. Eu tenho 12 anos de
sócio, nove anos de Conselho, cinco anos de diretoria, três na base e dois no
profissional, e 40 anos de idade, e sou tido às vezes como muito novo ou
inexperiente. Eu acho que o clube tem que abrir as portas para novas pessoas
crescerem e não ficarem estagnadas. Não fiquei decepcionado porque acredito que
Deus tem um tempo para tudo na vida da gente. Se não era para ser, tenho fé,
como cristão, que há coisas boas guardadas para quem planta o bem.
Confirmada sua ausência
na disputa, você apresentou o plano de gestão que pretendia implantar. Uma das
propostas era ampliar o monitoramento de atletas sul-americanos. Na estrutura
atual, como acontece, de fato, a participação do setor de análise de desempenho
nas contratações realizadas pelo clube?
Como citei anteriormente, o departamento de análise de desempenho
tem uma parte que é de análise de mercado. Existem vários outros fatores que
este departamento analisa, como os adversários jogam, a forma, quais pontos
fortes e fracos de cada jogador adversário. Hoje, por exemplo, nosso preparador
de goleiros tem todas as estatísticas antes do jogo tanto de pênalti como de
falta, da forma como os cobradores adversários batem. Então a análise de
mercado é apenas um dos fatores da análise de desempenho. Hoje, ela vem
funcionando da seguinte maneira. O jogador que a gente acha interessante, a
gente passa para a comissão técnica, passa jogos do atleta, e a comissão
analisa se é interessante ou não. Aí, a gente busca o atleta no mercado. Neste
ano, a gente usou esse formato de contratações em todos os negócios, com
exceção do Lucas Silva, que era um jogador que demonstrou um interesse muito
grande de voltar ao clube que era sua casa e nós não poderíamos fechar as
portas para ele.
No plano, você também
listou 13 iniciativas visando à ampliação do engajamento da torcida, entre elas
a criação de diretoria específica. Essa proposta indica que há lacunas na
relação entre o Cruzeiro e o torcedor. Quais são? Como você vê, por exemplo, a
participação do Sócio do Futebol nas eleições presidenciais do clube, hoje
restritas a cerca de 500 conselheiros?
No plano de governo, existia uma diretoria de torcida porque acho
que o clube tem que escutar as demandas do torcedor, que é nosso bem maior. Há
demandas plausíveis e outras não, já que o torcedor é movido pela paixão. Essa
diretoria seria para analisar isso. Ao mesmo tempo, existia neste plano uma
estratégia para se aumentar a torcida, iríamos buscar entrar nos cinco clubes
de maior torcida do país em alguns anos. Acho isso de suma importância, quanto
maior a torcida, maior poder financeiro que o clube vai ter. Sobre a
participação do sócio, na minha opinião, o sócio-torcedor deve ter cada vez
mais voz ativa dentro do clube, já que é o dinheiro que ele investe que dá
poder financeiro.
Acho importante começarmos a refletir sobre como essa participação
pode ser feita. Se por um lado ela é importante, por outro também me preocupa
como seria uma eleição presidencial movida somente pela paixão do torcedor,
poderia ser algo muito volúvel, que varia de acordo com o desempenho do time em
campo no momento. Nas eleições atuais, por exemplo, tenho visto gente fazendo
campanha muito mais parecida com campanha para vereador do que para presidente
do Cruzeiro.
No ano passado, a ousada
aposta em Paulo Bento durou apenas 17 jogos. O português deixou o time na vice-lanterna
do Campeonato Brasileiro e classificado às oitavas de final da Copa do Brasil.
Naquele momento, faltava convicção no trabalho do treinador? Quanto pesou o
fato de Mano Menezes estar disponível?
Não faltou convicção no trabalho. Faltou foi resultado. No
decorrer do trabalho, a gente notou que ele precisaria de um tempo maior para
se adaptar ao futebol brasileiro. Se déssemos esse tempo a ele, correríamos
sério risco de não conseguirmos nos recuperar no campeonato e cair para a segunda
divisão. O Mano é um treinador que estava no mercado, conhecia bem o clube e
tínhamos confiança que ele nos tiraria do momento que estávamos, como tirou.
Vice estadual e eliminado
na primeira fase da Copa Sul-Americana, o Cruzeiro inicia agosto a 21 pontos do
líder do Campeonato Brasileiro, nas semifinais da Copa do Brasil e nas quartas
da Primeira Liga. Com base nos investimentos feitos e nas expectativas traçadas
no início da temporada, como você avalia esses resultados?
O Campeonato Mineiro a gente avalia que temos que disputar para
decidir com o Atlético. Claro que é ruim perder uma decisão para o rival,
porém, em se tratando de clássico, um tem que vencer, e eles, tendo o
regulamento a favor, foram competentes. Na Copa Sul-Americana, realmente a
campanha foi muito abaixo do que esperávamos, tínhamos time para disputar o
título, igual estamos disputando a Copa do Brasil. Na Primeira Liga,
classificamos em primeiro do grupo e vamos jogar as quartas contra um forte
adversário. No Brasileiro, estamos muito atrás do primeiro lugar até por
méritos do Corinthians, que está fazendo uma campanha avassaladora. Mas a gente
espera estar entre os times classificados para a Libertadores. Entramos com
objetivo de disputar o título. E ainda temos totais condições de disputar uma
vaga no G6.
Na Copa do Brasil, estamos na semifinal, somos o único time que
começou jogando a primeira fase e chegou entre os quatro, único time que
eliminou três times da Série A e vamos disputar uma semifinal contra um time
que vem sendo alardeado como o que vem jogando o futebol mais bonito do Brasil,
mas sabemos que a camisa do Cruzeiro enverga varal e temos confiança que
faremos dois grandes jogos e vamos disputar nossa sétima final de Copa do
Brasil. A gente não se ilude, sabemos que o que fica é ser campeão. O Cruzeiro
não entra só para fazer boas campanhas. Temos consciência de que, se não
conseguirmos nenhum título, teremos um gosto amargo. Ainda temos dois títulos
em disputa e estamos na briga por uma classificação à Libertadores. Então ainda
tem muita coisa para acontecer no ano. Esperamos fazer por onde deixar o
torcedor feliz e orgulhoso.
Contra o Palmeiras, Mano
usou cinco pratas da casa - Murilo, Lucas Silva, Élber, Alisson e Raniel. Três
deles foram emprestados a outros clubes antes da afirmação no Cruzeiro. Até que
ponto, na transição, essa saída da Toca é interessante? Um time sub-23 para
lapidá-los dentro do próprio clube, por exemplo, é viável?
Essa sugestão de time sub-23 é feita geralmente por pessoas que
não trabalharam em formação, na maioria dos casos. Hoje, por exemplo, o
Cruzeiro tem três atletas emprestados: o Fabrício Bruno na Série A
(Chapecoense), o Caio Rangel na Série B (Criciúma) e o Andrey na Série C (Tupi),
que vêm fazendo uma ótima temporada. Esses atletas têm conseguido minutos
importantes que dão cancha para que, no futuro, retornem ao Cruzeiro preparados
para o desafio que é jogar em um dos maiores times do mundo. Você colocar
atletas deste nível para jogar a terceira divisão do Campeonato Mineiro, com o
nível técnico baixíssimo, ia somar muito pouco na formação dos atletas e para a
utilização deles na equipe principal.
O grande problema de se formar uma equipe sub-23 é a falta de
calendário. Você estaria somente aumentando as despesas do clube com pouco
retorno financeiro. A minha ideia era, caso fosse investir em uma equipe
sub-23, que essa equipe fosse formada para disputar campeonatos europeus, como
o Fluminense vem fazendo muito bem na Eslovênia e como a Traffic formou o
Estoril Praia, que disputa a primeira divisão do Campeonato Português. Um
projeto desses traria retorno técnico na formação dos atletas e financeiro pelo
fato de estarem dando resultado na Europa. Um projeto para se disputar durante
meio ano a terceira divisão do Campeonato Mineiro para se chegar à primeira divisão
do estadual em três anos e passar o resto do ano sem calendário, eu acho pouco
proveitoso.
Há duas semanas, o
Cruzeiro negociou Ramón Ábila, seu artilheiro na temporada. Até que ponto essa
saída foi uma decisão técnica, ligada ao fato de ele ser reserva, e até que
ponto foi econômica, em razão da dívida com o Huracán? Se tivesse a chance de
renegociar o contrato firmado em 2016, você faria algo diferente?
O que foi importante na negociação, primeiro, foi o desejo do
jogador. Ele deixou claro para mim que não queria permanecer, apesar de
respeitar muito o Cruzeiro. Por ele não estar jogando tanto, a dívida que
teríamos que assumir no final do ano passava a inviabilizar a permanência do
atleta. Sobre voltar atrás para mudar o negócio, acredito que, no momento em que
o jogador chegou ao Cruzeiro, foi o preço a se pagar para a reação que tínhamos
que ter para não deixar o clube cair. Se eu pudesse voltar no tempo e mudar
alguma coisa, não mudaria a contratação do atleta, porque gosto muito dele, mas
sim mudaria a pessoa que enviei à Argentina para contratá-lo.
Em seu primeiro semestre
como vice de futebol, os investimentos foram moderados. Na sequência, o clube
contratou o próprio Ábila, Rafael Sóbis e Thiago Neves. Do ponto de vista do
futebol, como o Cruzeiro chegará financeiramente a 2018?
O Cruzeiro, como 99% dos clubes do Brasil, tem desafios econômicos
a serem enfrentados em 2018. E existem duas formas de se enfrentar esses desafios
e administrar um clube: ou alavancado financeiramente na esperança de buscar
títulos e aumento de receitas, seja por aumento por sócios ou na venda de
atletas, ou se apostar em um projeto de gestão em jogadores mais jovens,
diminuindo os custos, com esperança de aumentar receitas com vendas no futuro.
Essa segunda opção aumenta muito o risco de rebaixamento, e não existe opção
certa ou errada.
Existe uma que deve ser definida pelo presidente do clube e
seguida pelo seu vice de futebol e diretor. Para se trabalhar em uma forma de
se sanear o clube deve-se ser claro com a torcida que vai se correr esse risco,
que pode dar certo ou errado. Se der certo, vai haver um custo muito baixo e
uma receita alta com atletas. Valorizando atletas novos, pode-se ter uma
receita grande. Se não der certo, você passa a colocar a responsabilidade em
atletas muito jovens. Essa responsabilidade pode custar caro. As pessoas que
vendem as duas opções em ano eleitoral, que vão sanear e contratar grandes
atletas, é uma mágica muito difícil de ser feita no futebol.
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