Mesmo lesionado, Gilberto Silva, que completou 37 anos no último dia
07, se sente feliz. O que não significa acomodação. Ao lado de atletas como
Alex, Rogério Ceni e Juninho Pernambucano, ele integra o elenco do Bom Senso
FC. "Nós queremos expor as nossas idéias para colaborar em uma melhora do
esporte no Brasil", pontua, descartando a ideia de confronto. Enquanto
isso, já se prepara para voltar aos gramados, sonhando com o título do Mundial.
A infância de grande
parte dos maiores esportistas brasileiros foi marcada pelos obstáculos. A sua
não foge muito à regra. Por duas vezes, você chegou a deixar o futebol, para
dar apoio financeiro à família. Mesmo assim, o que te fez acreditar que aquele
sonho se tornaria possível? E em quê as dificuldades contribuíram para seu
sucesso?
Quando
eu tomei a decisão de voltar para o interior e trabalhar para ajudar em casa,
me senti meio que na obrigação de ajudar a família, realmente. Meu pai era o
único que trabalhava, nós somos quatro filhos, minha mãe doente. Então, eu,
como filho mais velho e único homem, me senti nessa obrigação. Mas nunca apagou
de mim a vontade de um dia voltar. O que me fez voltar, até a condição de a
minha mãe ter melhorado, foi aquele sentimento de tentar outra vez. De um dia
chegar mais velho e não ter nenhum arrependimento, mesmo se não desse certo. E
felizmente tudo caminhou bem.
Quando voltou ao Brasil,
você fez, no primeiro momento, a opção pelo Grêmio, onde atuou até vir para o
Atlético. Dez anos depois, entre Europa e Rio Grande do Sul, qual foi a
principal mudança que você observou na estrutura e no projeto do futebol
nacional? Hoje há mais organização?
Olha,
houve uma melhora significativa. No Brasil, Atlético, Grêmio e América são os
três clubes em que joguei, e no Atlético continuo jogando. Eu não posso falar
muito amplamente das outras equipes, por não conhecer a estrutura, não ter
acompanhado tão a fundo em todo esse tempo em que fiquei fora. Mas eu tive uma
surpresa positiva em relação ao Grêmio, na questão de organização. Lógico que
sempre tem muita coisa a melhorar. Aqui no Atlético, encontrei uma estrutura
totalmente diferente de quando eu saí. No América, ainda não tive a
oportunidade de ver como se encontra. As notícias que eu tenho são de que houve
uma melhora. Mas, agora, jogando o Campeonato Brasileiro, tem coisas que ainda
precisam ser melhoradas.
Um dos pontos ainda muito
questionados é o calendário nacional. Em menos tempo, as equipes atuam bem mais
que na Europa, por exemplo. Esse questionamento deu origem ao Bom Senso FC, do
qual você participa. Hoje qual é a principal bandeira levantada por esse
movimento?
Esse
movimento surgiu por uma reclamação dos atletas, pelo cansaço, pelo excesso de
jogos, você não tem um tempo hábil para descansar de um jogo para o outro. Nós
já ficamos aí uma sequência grande, de até dois meses, sem ter um período de
folga, jogando duas vezes por semana, quarta e domingo. Quando você pratica um
esporte de alto rendimento como é o futebol, ainda mais da forma como é hoje,
onde a parte física é muito exigida, quando você tem uma sequência muito
grande, como nós temos tido, o tempo de descanso é muito curto, praticamente
não existe.
Então,
a partir daí originou-se esse movimento. Os jogadores foram entrando em contato
uns com os outros, e foi crescendo. Os outros jogadores integrando também, para
que nós possamos ser ouvidos e levar também as nossas idéias. Não é uma ideia
de confronto. Talvez, na cabeça de muita gente, acham que nós vamos confrontar
a CBF, confrontar os clubes. Não é nada disso. Nós queremos expor as nossas
idéias, para colaborar em uma melhora do esporte no Brasil.
Seu retorno ao Atlético
foi marcado por momentos muito distintos. Você chegou ao clube com o sonho de
disputar títulos e, em sete meses, já havia comemorado a Libertadores e o
Mineiro. Um mês depois, você sofreu uma lesão e foi operado. Como está o
Gilberto hoje? Você terá condições de ir ao Mundial? Você planeja renovar com o
Atlético?
Hoje,
o Gilberto está tranquilo, feliz da vida, mesmo me recuperando de lesão. Acho
que isso também é uma dificuldade que a gente enfrenta na carreira. Na minha
vida profissional aconteceu o sucesso, mas teve momentos de baixa também, como
lesão. Eu já tive lesão na minha primeira passagem pelo Atlético, depois no
Arsenal. No Panathinaikos, graças a Deus, passei ileso. No Grêmio tive uma
pequena lesão muscular, foi a primeira vez que tive uma lesão muscular na vida.
E enfim isso faz parte, infelizmente. A gente tem que aprender a lidar com
isso. Apesar de que a gente gosta é de estar dentro do campo, fazendo o que a
gente gosta.
Mas,
quando eu vim para o Atlético, o objetivo, como sempre foi na minha carreira,
era chegar para conquistar campeonatos, conquistar títulos, ajudar o clube a
esses objetivos. E não foi diferente nas outras equipes. Infelizmente, no
Grêmio não tive essa oportunidade. Tivemos próximos, mas não conseguimos esse
objetivo. Aqui no Atlético, em pouco tempo, já houve essas conquistas
importantes. Estou me preparando para essa reta final de Brasileiro e para
estar pronto para o Mundial.
11 anos depois de ter
festejado a Copa do Mundo, você chegou ao topo da América em um dos melhores
times da história alvinegra. Como é, para você, ter participado desses dois
momentos únicos? Eles se equivalem?
Cada momento é diferente, tem sua particularidade, e cada um é
especial à sua maneira, da forma como foi construído. Eu cheguei ao Atlético em
2000, saindo do América, ainda jovem, com vários sonhos, muito caminho a
percorrer e, pouco a pouco, fui conquistando meu espaço aqui dentro, até me
tornar titular definitivo, e posteriormente ter ido para a seleção, saído do
país. Agora, eu volto para participar de um momento histórico na vida do clube.
Talvez um dos melhores momentos que o clube tenha vivido, desde o ano passado
até agora. Eu me sinto privilegiado por poder fazer parte dessa história.
Eu até brinquei outro dia: acho que o Atlético estava esperando eu
voltar para ter essa conquista, ou faltava eu chegar para ajudar nesse ponto,
também. Eu acho que é bacana, depois de vários anos, ter jogado aqui, retornar
ao clube, ter uma conquista como essa, que até o momento é a mais importante da
história. Mas o clube não pode parar simplesmente nessa conquista. Quando você
atinge uma conquista como essa, ela tem que te impulsionar a outras.
E todo mundo tem que ter consciência da responsabilidade que carrega,
a partir do momento em que você atinge uma conquista dessa, e saber que, em
qualquer lugar que você chegue, aqui no Brasil ou no mundo, as pessoas vão te
reconhecer pelo resultado do seu trabalho. E é importante que nós consigamos
manter daqui para frente as conquistas, que vão levar o clube para um patamar
diferente do que já se encontrava, um crescimento maior. E, com isso, todo
mundo colhe os benefícios.
Você disputou as últimas
três Copas do Mundo e, durante cerca de dez anos, viveu o ambiente da seleção
brasileira. Sua maior glória veio sob o comando do Felipão em 2002. Agora,
com o retorno do técnico e com a chance de atuar em casa, qual a expectativa
que você tem para 2014?
Olha, hoje, não sei se pelo fato de o Felipão ter voltado, mas a
gente consegue ter uma visão maior em relação ao time, uma compactação melhor,
mais definida. Coisa que, infelizmente, com o Mano (Menezes, técnico da seleção
entre julho de 2010 e novembro de 2012), nós demoramos a ter a definição de um
time. Talvez isso atrapalhou um pouco nessa formação de elenco e até dificultou
o trabalho dele, também. Mas foram opções dele, você tem que respeitar. E o
Felipão, pelo curto tempo que ele tem, não dá para fazer grandes mudanças,
muitas experiências.
Logicamente, ele colhe muita coisa deixada pelo Mano, do que o
Mano fez nesse período de dois anos e meio, mas a chegada dele tem um peso
diferente. Com respeito ao que o Mano representa, mas o Felipão é um campeão do
mundo. O Felipão tem um reconhecimento mundial diferente, então pelo fato de
ele ter chegado as pessoas já enxergam a seleção de forma diferente. O que a
gente espera é que a seleção encontre o melhor futebol, coisa que demorou um
pouco a encaixar, até pela mudança que houve após 2010.
Mudou-se praticamente todos os jogadores, não ficou uma base, não
foi utilizada uma base da seleção anterior para montar esse novo grupo. Mas o
que a gente tem que fazer é a nossa parte, agora como torcedor, torcer,
acreditar nos profissionais que estão ali, nos atletas. Mas ter a consciência
de que vai ser uma pressão muito grande, a dificuldade vai ser muito grande,
até porque todo mundo se prepara para esse momento. Provavelmente, das grandes
seleções, a seleção brasileira é a mais jovem e com menos tempo de formação
comparada às outras europeias.
Com maior poder
econômico, os clubes brasileiros têm, cada vez mais, recorrido a grandes nomes
do mercado internacional. Neste cenário, como você vê o fato de, ao mesmo
tempo, se apresentar como novo mercado promissor, e tentar valorizar os
processos de formação de atletas?
Eu penso que a partir do momento que você consegue captar mais
recurso para o clube, coisa que era diferente há dez anos, você não pode ser
imediatista em relação a um processo até mesmo de conquistas. Infelizmente, no
Brasil nós temos uma cultura imediatista. Se você não conquista títulos de
imediato, não serve, tem que trocar tudo. Acho que as conquistas vêm como
consequência de trabalho. Quando você consegue manter o treinador por mais
tempo, consegue formar um bom grupo, e não é tão simples você formar um grupo
de qualidade, que vai conquistar títulos.
Você não consegue fazer isso da noite para o dia. Até você chegar
à melhor formação leva algum tempo. E, às vezes, a parte de comando tem uma
interferência muito grande nesse aspecto. Então, que as pessoas utilizem esse
recurso que se aumentou hoje, para valorizar todos os setores do clube, desde a
formação de base, mas investir até mesmo na capacitação do atleta profissional
como um todo, não somente dentro do campo. Mas na capacidade dele, até mesmo de
se relacionar no dia-a-dia, para que quando ele chegar ao profissional ele
esteja bem preparado para poder dar o retorno que o clube espera.
E aí o clube cresce como um todo. Conquistando títulos, formando
grandes atletas, grandes personalidades também, que vão ser representantes do
clube e poder, a partir do momento em que sair, deixar algo bem positivo em
relação ao trabalho, mas, ao mesmo tempo, levar uma boa imagem do clube.
Entre tantas idas e
vindas, a carreira de um atleta profissional tem seus pontos altos e baixos.
Hoje, aos 37 anos, qual você considera ter sido o momento mais
'difícil' de sua trajetória? Como agiu para superá-lo?
O período que foi um pouco complicado para mim, profissionalmente,
não foi nem quando eu estive machucado. Acho que, para mim, isso faz parte da
profissão. E as lesões que eu tive durante a carreira foram coisas que eu
aprendi a lidar com elas. Mas um período difícil foi a minha última temporada
no Arsenal (Gilberto defendeu o clube entre agosto de 2002 e julho de 2008),
quando eu tinha acabado de ser campeão da Copa América (de 2007) com a seleção
brasileira, voltei e daí passei a não ser mais titular, de uma hora para outra.
Foi um pouco difícil para mim entender as razões do treinador.
Quando eu vi que as coisas não iam mudar muito, a única coisa que
eu procurei foi fazer o meu trabalho, curtir o momento e não entender que ir
para o clube todo dia seria um peso. Mas tinha que ser um momento de
satisfação, de alegria, porque, mesmo não jogando, eu estava em um grande clube
e tinha que fazer o meu trabalho. Mas não adiantava eu fazer sem a minha cabeça
estar ali, sem estar ali de corpo e alma. Era importante eu fazer bem,
desfrutar, ter meu lado profissional, mas estar com o lado mental ali também, e
de forma positiva, para poder, mesmo com o desconforto de não jogar, dar a
minha contribuição.